terça-feira, 29 de dezembro de 2009

"Noites Brancas"

"Que triste ficar sozinho, completamente sozinho, sem ter sequer o que lamentar - nada, absolutamente nada... porque todo o perdido era nada, um zero estúpido, nada mais que uma ilusão!"

"Noites Brancas"

"E lembro-me que também nessa altura os meus sonhos eram tristes e, embora antes não fosse melhor do que agora, sinto que era mais fácil e sereno viver, que não havia este pensamento negro que agora se apossou de mim; que não havia estes remorsos, sombrios, tenebrosos, que agora me tiram o sossego de dia e de noite. E pergunto-me: onde estão os meus sonhos?"

"Noites Brancas"

"(...) porque nós amadurecemos, ultrapassamos os nossos velhos ideais: os ideais desmoronam-se, reduzidos a destroços, a pó; ora, se não houver outra vida, será preciso construí-la desses destroços."

"Noites Brancas"

"E não pense que exagerei ao contar-lhe a minha vida, por amor de Deus não o pense, Nástenka, porque é verdade que às vezes tenho momentos de uma amargura insuportável, insuportável... Nesses momentos ponho-me a imaginar que nunca serei capaz de começar a ter uma vida verdadeira, porque são momentos em que perco o tacto e o olfacto do verdadeiro, do real; porque chego a amaldiçoar-me a mim próprio; porque, depois das minhas noites fantásticas, vêm os horríveis minutos do desembriagamento! Entretanto, ouço como marulha e gira no turbilhão da vida a multidão humana, ouço, vejo como vivem as pessoas - vivem na realidade; vejo que para elas a vida não é proibida, que a vida delas não se vai desvanecer como um sonho, como uma visão, que a vida delas é eternamente renovada, sempre jovem, e nenhuma hora da vida delas se parece com outra hora; ao passo que é tristonha e monótona até à vulgaridade a tímida fantasia, escrava da sombra, escrava da ideia, escrava de uma qualquer nuvem tapando subitamente o sol e apertando de mágoa o coração (...)."

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

"Noites Brancas"

"Um novo sonho - uma nova felicidade! Uma nova dose de requintado, voluptuoso veneno! Oh, bem lhe interessa a nossa vida real! Para o seu olhar cativado, Nástenka, pessoas como nós vivem de modo preguiçoso, vagaroso, mole; para ele, andamos todos descontentes como o nosso destino, sentimos muito tédio na nossa vida! Mas também, olhe só, à primeira vista tudo entre nós é de facto escuro, frio, como que zangado... «Coitados!» - pensa o meu sonhador. Não admira que pense assim! Olhe para esses fantasmas mágicos que, de modo tão divino, tão caprichoso, tão vasto, tão infinito, formam diante dele um quadro milagroso e cheio de vida, onde em primeiro plano, como personagem principal, está sem dúvida ele mesmo, o nosso sonhador, na sua própria e querida pessoa."

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

"Noites Brancas"

"No quarto, escurece; na sua alma há um vazio e uma tristeza; todo um reino de devaneios se desmorona à sua volta, rui sem estrépito e sem deixar vestígios, passa como um sonho, um sonho cujo conteúdo esqueceu. Porém, uma sensação obscura, uma dor surda a levantar-se no seu peito, um novo desejo, já lhe tilinta e excita sedutoramente a fantasia, um imperceptível apelo a toda uma chusma de novos fantasmas. No pequeno quarto reina o silêncio; o retiro solitário e a preguiça afagam a imaginação, que começa a inflamar-se, a fervilhar levemente (...)."

"Noites Brancas"

"O sonhador, caso a Nástenka precise de uma definição pormenorizada, não é uma pessoa, mas uma criatura intermédia, se quiser. Instala-se, na maioria dos casos, nalgum recanto inacessível, como se até da luz do dia se escondesse, e, logo que se mete no seu recanto, fica colado a ele como um caracol, ou, pelo menos, fica muito parecido a esse bicho engraçado que é animal e casa ao mesmo tempo e que se chama tartaruga."

"Noites Brancas"

"- Oiça, quer mesmo saber quem sou?
- Quero, quero!
- No sentido lato da palavra?
- No sentido mais lato possível!
- Aqui tem, sou um tipo.
- Um tipo, um tipo! Mas que tipo? (...) Em primeiro lugar, o que quer dizer «tipo»?
- Tipo? Bem, um tipo é um original, é um sujeito esquisito! - respondi, começando também a rir-me, acompanhando o riso infantil dela. - É uma espécie de carácter. Oiça, sabe o que é um sonhador?"

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

"O Dom"

"E como muitas vezes lhe acontecia, embora desta vez fosse mais profundo do que anteriormente, Fedor sentiu de repente - nesta escuridão transparente - a estranheza da vida, a estranheza da sua magia, como se um canto da vida tivesse sido voltado e ele tivesse entrevisto o debrum insólito."

"O Dom"

"Se, naqueles dias, tivesse de responder perante um tribunal situado para lá dos sentidos humanos (lembrem-se de como Goethe dizia, apontando com a bengala para o céu estrelado: «Ali está a minha consciência»!) dificilmente poderia decidir-se a dizer que a amava, pois havia muito que se apercebera de que era incapaz de dar toda a sua alma a alguém ou a alguma coisa: o seu capital de trabalho era-lhe demasiado necessário para os seus próprios assuntos pessoais, mas por outro lado, quando olhava para ela, ascendia imediatamente (para voltar a cair alguns momentos depois) a cumes de ternura, de paixão e de piedade que poucos amores atingem."

"O Dom"

"Oh jura-me que serás fiel ao sonho, e que só acreditarás na fantasia, e que nunca deixarás a tua alma enferrujar na prisão, nem que estenderás um braço para dizer: uma parede de pedra."

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

"Noites Brancas"

"- (...) Pode não acreditar, mas... nenhuma mulher, nunca, nunca! Nenhum conhecimento! Limito-me a sonhar, dia após dia, que encontro finalmente alguém. Ah, se soubesse quantas vezes já estive apaixonado desta maneira!...
- Mas, apaixonado por quem?...
- Por ninguém, por um ideal, por uma qualquer que me apareça nos sonhos. Nos meus devaneios eu crio verdadeiras histórias de amor. Oh, não me conhece! Para falar verdade, é natural que tenha conhecido duas ou três mulheres, mas... pode-se-lhes verdadeiramente chamar mulheres? Não, umas comadres..."

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

"Noites Brancas"

"Comecei a ter medo de ficar sozinho e durante três dias vagueei pela cidade cheio de uma aflição profunda, sem perceber nada do que se estava a passar comigo. (...) não via nenhuma das pessoas a que estava habituado a ver nos mesmos sítios às mesmas horas durante todo o ano. Claro que essas pessoas não me conhecem, mas eu sim. Conheço-as intimamente; quase lhes decorei as fisionomias - e regozijo-me quando estão alegres, angustio-me quando as vejo tristes."

"Noites Brancas"

"Desde manhã que uma mágoa esquisita me começou a atormentar. De tão solitário que sou, parece que toda a gente me abandona e renega."

domingo, 13 de dezembro de 2009

"O Dom"

"Considerar-se medíocre era quase melhor do que acreditar que era um génio: Fedor duvidava da primeira hipótese e concedia a segunda, mas mais importante do que isso, lutava por não se render ao desespero infernal da página em branco. Porque havia coisas que queria exprimir tão natural e livremente como os pulmões querem expandir-se, resultava daí que deviam existir palavras convenientes para a respiração. Os lamentos dos poetas tantas vezes repetidos de que, infelizmente, não há palavras disponíveis, que as palavras são cadáveres lívidos, que as palavras são incapazes de exprimir os nossos sentimentos erraticamente indefinidos (e para o provar libertam uma torrente de hexâmetros trocaicos) pareciam-lhe tão desprovidos de sentido como a convicção assente do mais idoso habitante duma cabana de montanha de que essa montanha nunca foi escalada por ninguém nem nunca o será; numa bela manhã fria, aparece um inglês grande e esgalgado, e trepa alegremente até ao cume."

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

"Poética"

"(...) tenho tentado transmitir-vos a minha concepção do que é o Princípio Poético. Tem sido minha intenção sugerir que, enquanto este Princípio em si é, estrita e simplesmente, a Aspiração Humana à Beleza Supernatural, a manifestação do Princípio é sempre encontrada numa excitação que eleva a alma - bastante independente dessa paixão que é o embriagamento do coração - ou dessa Verdade que é a satisfação da Razão. Porque, no que respeita à Paixão, infelizmente a sua tendência é mais para degradar do que para elevar a alma. O Amor, pelo contrário, - o amor, o verdadeiro, o divino Eros - o Uraniano, como distinto do Dioneano de Vénus - é sem dúvida o mais puro e verdadeiro de todos os temas poéticos."

"Bridge Of Sighs"

"The bleak wind of March
Made her tremble and shiver,
But not the dark arch,
Or the black flowing river:

Mad from life's history,
Glad to death's mystery,
Swift to be hurl'd-
Anywhere, anywhere
Out of the world!"

("O vento gelado de Março
Fê-la tremer e arrepiar-se
Mas não a arcada escura
Nem o rio correndo negro:

Louca com as histórias da vida
Feliz pelos mistérios da morte
Rápida a ser lançada
A qualquer lugar, qualquer lugar
Fora do mundo!")

"O Dom"

"(...) e a sombra duma água desliza sobre os penhascos; por cima das nossas cabeças, uma paz, um silêncio, uma transparência perfeitas... e penso mais uma vez no que pensa o meu pai quando não está ocupado na caça de borboletas e está ali, imóvel... aparecendo por assim dizer na crista da minha memória, torturando-me, arrebatando-me - até doer, até à insanidade da ternura, do ciúme e do amor, atormentado-me a alma a sua inescrutável solidão."

domingo, 6 de dezembro de 2009

"O Dom"

"Hoje, às vezes parece-me, quem sabe, que ele partia nas suas viagens não tanto em busca de algo, mas para fugir de qualquer coisa, e que, ao regressar, verificava que essa coisa ainda estava com ele, dentro dele, implacável, inextinguível. Não sou capaz de encontrar um nome para esse segredo, sei apenas que essa era a origem dessa solidão particular - nem alegre nem taciturna, sem nenhuma relação, de facto, com a aparência externa das emoções humanas - a que nem a minha mãe nem todos os entomologistas do mundo tinham acesso."

"O Dom"

"Não podia suportar delongas, hesitações, o pestanejar de olhos de uma mentira, não podia suportar a hipocrisia ou as falas meladas, e tenho a certeza de que se me tivesse apanhado numa situação de cobardia física me teria amaldiçoado."

"O Dom"

"Oh, minha infância, não olhes para mim assim, com esses grandes olhos assustados."

sábado, 5 de dezembro de 2009

"O Dom"

"(...) como um inofensivo fantasma doméstico que se senta, já sem surpreender ninguém, todas as noites à lareira."

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

"Fables"

"Things are not always what they seem; the first appearance deceives many; the intelligence of a few perceives what has been carefully hidden."

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

"O Dom"

"E penso também no facto de então às vezes me parecer que eu era infeliz, mas agora sei que fui sempre feliz, que aquela infelicidade era uma das cores da felicidade."

sábado, 28 de novembro de 2009

"On Being Empty Of Oneself"

"The void in fact was caused by my presence when I did not understand her, because that meant that I saw only the external shape of her body, so to speak, but not what really mattered—herself. We were strangers: I became alien to her. (...) It gradually transpired that she felt in a void and/or empty of herself in the presence of people who were, so to speak, in another world but did not recognize this fact, or failed to recognize that she was in another world."

"O Dom"

"A noite húmida fazia brilhar de negro a rua, com um vento furioso: nunca, mas nunca chegaremos a casa. Não obstante chegou um eléctrico, e agarrado a uma correia no corredor por cima da mãe sentada à janela, Fedor pensava com irritação nos versos que escrevera nesse dia, nas fissuras das palavras, nas fugas da poesia, e ao mesmo tempo, com uma alegria orgulhosa e exaltada, com uma impaciência apaixonada, esperava já pela criação de qualquer coisa nova, qualquer coisa ainda desconhecida, genuína, que correspondesse plenamente ao dom que sentia como um peso dentro de si."

domingo, 8 de novembro de 2009

Impressão Dum Sonho

A luz era confortável, não havia claridade nem penumbra. A cor da decoração irradiava por todo o lado. Eram umas três camas altas (uma com cortinados amarrados) de madeira. Enchiam todo o espaço. Havia livros em cima da cama decorada com cortinados, imensos livros. De todo o cenário emanava um conforto inexplicável.
Olhaste para mim enquanto fumavas um cachimbo muito ovalado, de madeira trabalhada com uns quaisquer motivos floridos. Estavas deitado numa das camas, de lado. Eu movi-me para perto de ti. Creio que estava em collants e vestia uma blusa fina e macia. Referiste a sorrir que estava muito magra, e agarraste-me para sentir os ossos da bacia. Agarraste com precisão, como se pudesses fazê-lo por eu ser tua. Como há muitos anos atrás, quando eu o era... O toque foi exactamente igual, no sonho, a como costumava ser na realidade. Nunca mais ninguém me despertou essa sensação característica do milissegundo após ser tocada por ti. Mas também não conseguiria saber adjectivá-la ou a razão pela qual era assim.

Depois dirigi-me a um baú pequeno muito trabalhado, creio que tinha uns dourados, e lembro-me de reparar na fechadura... Entretanto, já estava com três chaves em frente ao baú, não sabia qual lhe servia. Tentei a primeira e não abriu. Acordei e senti qualquer coisa que se parece com saudades, mas não o é.

sábado, 7 de novembro de 2009

"O Dom"

"Filho dum respeitável idiota dum professor e da filha dum funcionário público, crescera num meio maravilhosamente burguês, entre um aparador semelhante a uma catedral e lombadas de livros dormentes. Era de boa índole, embora não fosse bom; sociável, mas um pouco inconstante, impulsivo, e ao mesmo tempo calculista. Apaixonou-se por Olya duma maneira decisiva após uma excursão de bicicleta com ela e Yacha pela Floresta Negra, um passeio que, como mais tarde testemunhou no inquérito, «foi revelador para nós os três»; apaixonou-se por ela ao nível mais baixo, de maneira primitiva e com impaciência, mas da parte dela recebeu uma recusa sem apelo, uma recusa que era tanto mais viva quanto Olya, rapariga indolente, com tendência para se agarrar às pessoas e duma extravagância sombria, se tinha pelo seu lado (nos mesmos bosques de pinheiros, junto ao mesmo lago circular e negro) «dado conta de que estava caída» por Yacha, que se sentia tão oprimido por isso como Rudolf pelo ardor de Yacha, e ela própria pelo ardor de Rudolf, de modo que a relação geométrica dos seus sentimentos inscritos estava completa, lembrando as ligações recíprocas tradicionais algo misteriosas das dramatis personae dos dramaturgos franceses do século XVIII em que X é a amante de Y e Y é o amant de Z."

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

"O Dom"

"Vocês conhecem aquele movimento característico de quando alguém lhes estende uma fotografia venerada e os observa com a suposição certa de que... e vocês, depois de olharem demorada e piedosamente para o rosto da fotografia, que sorri inocentemente e sem qualquer pensamento de morte, fingem demorar-se a devolvê-la, fingem atrasar a sua própria mão, ao mesmo tempo que, com um olhar que se arrasta, devolvem o retrato, como se tivesse sido má educação separar-se dele mais cedo. (...) Tudo era calmo e falso."

"O Dom"

"No entanto continuava ali sentado, a fumar e a balançar suavemente a ponta do pé e, enquanto os outros continuavam a falar e ele próprio se lhes juntava, tentava, como fazia sempre e em todo lado, imaginar o movimento interior, transparente, desta ou daquela pessoa. Instalava-se cuidadosamente dentro do interlocutor como numa poltrona, de modo que os cotovelos dos outros serviam de descanso para os seus, e a sua alma encaixava-se sem atrito na alma do outro, e então a iluminação do mundo mudava subitamente e durante um minuto ele era realmente Aleksandr Tchernychevskii, ou Lyubov Markovna, ou Vassiliev. Às vezes, uma excitação, como na prática de um desporto, vinha acrescentar-se à efervescência gasosa da transformação, e sentia-se lisonjeado quando uma palavra ao acaso vinha confirmar sagazmente a linha de pensamento que adivinhava no outro."

sábado, 31 de outubro de 2009

"A Doença Lança Nas Veias Um Insecto Negro"

"a doença lança nas veias um insecto negro
calcinado pela excessiva luz da memória
tenho repentinamente fome
não consigo mexer-me
sacudo os lençóis com os pés concentro-me
na dor que me percorre desmancho a cama
onde me ataram há quinze anos fixo o olhar
para lá das paredes e do tecto

a casa está envenenada
exala vibrações de ferrugem subterrânea
desenha-se uma porta de cânhamo à altura da boca
e um dos movimentos dos dedos fustiga
as raízes graníticas dos alicerces

a doença enumera inventaria
necessita de esvaziar completamente a memória
para que se cure o corpo
e o sonho de novo desça e construa
magníficos refúgios luminosos jardins

de mim amontoar-se-ão os ossos
escombros de veias usadas sob pesadas chuvas
comigo morrerão os rumores de deus e das madeiras
o arrumo cauteloso dos livros o segredo
das fechaduras e dos envelhecidos espelhos
que gemem à passagem dos mortos
e das sombras"

"A Escrita"

"a escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada

esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos

espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar

outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo"

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

"Tudo o que é humano no homem e mais do que qualquer outra coisa, a liberdade, é o produto dum trabalho social, colectivo."

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

"O Dom"

"Infelizmente, já me custa juntar todos os bocados do passado; começo a esquecer relações e ligações entre objectos que ainda prosperam na minha memória, objectos que assim condeno à extinção. Se é assim, que arremedo insultuoso é afirmar com suficiência que

assim uma impressão anterior continua a viver
no interior do gelo da harmonia."

"O Dom"

"É estranho como uma recordação se transforma numa figura de cera, como o querubim se torna suspeitosamente mais bonito à medida que o seu quadro escurece com a idade - estranhas, estranhas são as desventuras da memória."

"O Dom"

"(...) estas são as minhas recordações mais precoces, as mais próximas da fonte original. A sonda do meu pensamento volta-se muitas vezes para essa fonte original, para esse nada em sentido contrário. Assim, o estado nebuloso do recém-nascido parece-me sempre uma lenta convalescença após uma terrível doença, e, quando forço a memória até ao limite para gozar dessa escuridão e utilizar as suas lições para me preparar para a escuridão que há-de vir, o afastar-me da não existência primeira transforma-se numa via de acesso a essa não existência primeira; mas, ao virar a minha vida ao contrário, de modo que o nascimento passa a ser a morte, não consigo ver, no limite dessa morte em sentido contrário, nada que corresponda ao terror sem limites de que se diz que mesmo um velho centenário conhece quando se defronta com o fim certo; nada, salvo talvez as supramencionadas sombras que, enguendo-se lá do fundo quando a vela sai do quarto (com a sombra da maçaneta de cobre do pé esquerdo da cama a passar velozmente como uma cabeça negra que incha à medida que se desloca), ganham os seus lugares habituais por cima da minha caminha de criança (...).

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Consagro a Inutilidade de Um Título

Retorna a imagem do branco, como ponte para a reparação do Eu, um Eu que pode recriar-se continuamente. Não é um branco associado à dimensão do vazio propriamente dito. Mas, antes, associado à possibilidade múltipla de criar o novo, a partir dos fragmentos que foram, anteriormente, evacuados, não para o fora, como mundo externo, mas para um exterior imaginado, e, por isso, um exterior que não chegou a separar-se da vivência interna sofrida. Sofrida, porque, igualmente, tolerada em termos de uma procura de adaptação. Refere-se a noção de imagem, pois o quadro branco é, em potência, um desenho. Comporta uma evocação à (re)criação do velho não transformado, não entendido numa dimensão relacional. A procura pelo outro, pela ligação a esse outro, não é mais do que uma tentativa de ultrapassar a intolerância à frustração. Nessa tentativa, não existe uma procura ávida pelo motivo da necessidade e/ou dependência desse outro, mas antes uma possibilidade de encontro de si próprio, e desse sentido projectado livre e autonomamente no mundo da realidade externa.
O externo não é mais que a consagração, comummente aceite, de uma pluralidade de pequenos pedaços de mundos internos. Aquele que não se adequa a este processo comummente estruturado, começa por erigir um muro, paralelamente dá-se a construção desse mesmo muro por outros, esses seres sociais que consagraram o mundo externo.
O que é a realidade? A resposta encontra-se no parágrafo acima.
A impossibilidade de uma crença passiva no nada, torna-se assim compreensível, uma vez que é humanamente inconsistente pensar-se que se poderia não criar, pois o nada supõe essa mesma anulação criativa.

"Manual de Gramática Russa"

"O carvalho é uma árvore. A rosa é uma flor. O cervo é um animal. O pardal é uma ave. A Rússia é a nossa pátria. A morte é inevitável."

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

"Poética"

"(...) um poema merece este título apenas na medida em que excita, provocando a elevação da alma. O valor do poema é proporcional a esta excitação que enleva. Mas todas as excitações, devido a um condicionamento psíquico, são efémeras. Esse grau de excitação que permite que um poema possa sequer ser assim chamado não pode sustentar-se continuamente ao longo de uma composição de tamanho muito longo. No máximo, ao fim de uma meia hora, esmorece - declina -, seguindo-se-lhe a reacção inversa - e então o poema, efectivamente, e de facto, deixa de o ser."

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

"Die Leiden des Jungen Werthers"

"Ah! Carlota! Isto é um sentimento único, e, contudo, nada se assemelha mais a um sonho do que dizer-se: «É esta a derradeira manhã!» A derradeira! Carlota, e custa-me compreender o sentido destas palavras: a derradeira; hoje vejo-me ainda de pé, cheio de força! E amanhã, hirto, imóvel, estirado sob a terra fria! Morrer! O que é morrer? Nós sonhamos quando falamos na morte. Tenho visto morrer muita gente; mas o homem é tão ignorante que, apesar do que vê, não tem uma ideia nítida do começo e do fim da sua existência. Por enquanto sou ainda meu... não! teu... teu, minha bem amada! E, um momento depois, separados, apartados talvez para sempre! Não, Carlota, não! Como hei-de eu desaparecer! Que quer dizer isto? São ainda outras palavras, um som oco, que o meu coração não compreende nem ouve! Morto, Carlota! Sepultado na terra fria, numa cova tão estreita! Tão negra!"

"Die Leiden des Jungen Werthers"

"Sabe Deus quantas vezes tenho adormecido com o desejo, até mesmo com a esperança, de não mais acordar! Mas no dia seguinte, abro os olhos, torno a ver o sol e sinto-me miserável!"

"Die Leiden des Jungen Werthers"

"Desviei o olhar. Ela não devia ter feito aquilo! Não devia inflamar-me a imaginação com aqueles quadros de venturosa inocência, nem despertar-me o coração desse sono em que o aborrecimento da vida se embala tantas vezes."

"Die Leiden des Jungen Werthers"

"Tudo, tudo desapareceu! Nem um vestígio do mundo passado! Nem uma pulsação do meu sentir desse tempo. Sou como um fantasma que voltasse ao seu magnífico castelo, construído quando príncipe poderoso e por ele legado na hora extrema a um filho querido, e das riquezas amontoadas nesse soberbo edifício apenas viesse encontrar cinzas, escombros, ruínas..."

terça-feira, 20 de outubro de 2009

"Die Leiden des Jungen Werthers"

"Conta-se que há uma raça de cavalos, que, quando perseguidos, abrem por instinto a si próprios uma veia com os dentes, para poderem respirar mais livremente."

"Die Leiden des Jungen Werthers"

"- A natureza humana - prossegui - tem os seus limites, pode suportar, até um certo grau, a alegria, a dor e a tristeza; quando porém, se ultrapassa esse grau, a natureza sucumbe. Pouco importa saber se um homem é fraco ou forte, mas apenas se é capaz de suportar os seus sofrimentos, quer físicos quer mortais; e, na minha opinião, é tão desassisado qualificar de covarde o homem que se suicida como chamá-lo ao que morre de uma febre maligna."

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

"No mais profundo de si mesmo, o nosso ser rebela-se em absoluto contra todos os limites. Os limites físicos são-nos tão insuportáveis quanto os limites do que nos é psiquicamente possível: não fazem verdadeiramente parte de nós. Circunscrevem-nos mais estreitamente do que desejaríamos."

domingo, 18 de outubro de 2009

"O Caso Mental Português"

"Ora a civilização consiste simplesmente na substituição do artificial ao natural no uso e correnteza da vida. Tudo quanto constitui a civilização, por mais natural que nos hoje pareça, são artifícios: o transporte sobre rodas, o discurso disposto em verso escrito, renegam a naturalidade original dos pés e da prosa falada.
A artificialidade, porém, é de dois tipos. Há aquela, acumulada através das eras, e que, tendo-a já encontrado quando nascemos, achamos natural; e há aquela que todos os dias se vai acrescentando à primeira. A esta segunda é uso chamar «progresso» e dizer que é «moderno» o que vem dela. Ora o campónio, o provinciano e o citadino diferenciam-se entre si pelas suas diferentes reacções a esta segunda artificialidade."

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Atrasei-me prà vida!; como quando me atrasei para a morte do meu avô... Por teimosia. Dizemos tantas vezes não nos nossos diálogos quotidianos que a negação acaba por tornar-se num modo de existir (contra o mundo, contra aquilo que é a nossa essência). Não, isto não é uma dissertação acerca da essência do homem ou do sentido da existência humana. Isto é o derradeiro grito de quem nunca se deixou berrar, por teimosia, por pseudo-controlo.
Vamos à consulta de psicoterapia psicanalítica falar mal dos nossos pais e saímos de lá com a culpa acrescida. Fazemos exames médicos pensando sempre que não vamos ter nada, só para confirmar que tudo vai bem. Marcamos consultas de especialidade na esperança de estarmos a ser hipocondríacos. Perdemos pessoas, perdemos desejos, apagam-se luzes todos os dias dentro nós. Deixamos permanentemente de acreditar na possibilidade de um dia podermos vir a acreditar em alguém.
Mas ainda tenho tempo, pensamos. Ainda não me esgotei. Então cai-nos a realidade em cima, com suspeições acerca da possibilidade de o corpo, este corpo arrastado ao longo de cerca de duas décadas, estar a destruir-se a si próprio. Sentimo-nos cansados de tudo, respirar é um tormento, então vamos dormir. E lá estão as insónias a espreitar. Levantamo-nos, não conseguimos ler, escrevemos mal e porcamente, pensar é esgotante e, ao mesmo tempo, não somos capazes de parar o pensamento. Depois de umas horas deprimentes lá nos deitamos outra vez, temos pesadelos, acordamos com a boca amarga e sabemos como vai ser o dia. Desejamos então que algo aconteça: uma bomba, uma catástrofe natural, uma estalada, qualquer coisa serve... O tédio é insuportável, o vazio vence. E um dia arrependemo-nos de ter desejado maldades que podem, de facto, acontecer (a nós próprios).
E chego à conclusão que cagar é o único prazer que resta.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

"Die Leiden des Jungen Werthers"

"Acontece com a distância o mesmo que com o futuro. Cobre-nos a alma uma enorme escuridão; o pensamento mergulha nela e ilude-se como o nosso olhar: sentimos o desejo ardente de sacrificar toda a existência, para nos absorvermos, com inefável alegria, no sentimento do infinito! Mas... quando lá chegamos, quando o longínquo se aproxima de nós, tudo nos aparece no mesmo estado; conservamo-nos em igual miséria; rodeia-nos idêntica tristeza e a nossa alma sedenta suspira baldadamente o bálsamo pela aventura que acaba de lhe fugir."
"Não sei até que ponto não seremos toda a vida um menino ou uma menina a assobiar no escuro."

domingo, 11 de outubro de 2009

"A Arte de Amar (Remédios Contra O Amor)"

"(...) para que o Amor bata em retirada , é preciso atacá-lo em todas as frentes."

"A Arte de Amar (Remédios Contra O Amor)"

"Jovens enganados, que no amor só tivestes decepções, vinde escutar as minhas lições. O mesmo que vos ensinou a amar há-de ensinar-vos a maneira de vos curardes. Será a mesma mão a dar-vos o veneno e o antídoto. A terra produz, ao mesmo tempo, ervas salutares e outras nocivas e a urtiga cresce muitas vezes junto da rosa. (...)
O meu principal objectivo é extinguir a violência da paixão e libertar os corações de uma vergonhosa servidão."

"A Arte de Amar"

"Jovens, que a vossa primeira preocupação seja cuidar da formação do carácter; as qualidades da alma dão ao rosto novos atractivos. O amor que surgiu graças a um bom carácter é duradouro; a idade há-de causar estragos na vossa beleza e as rugas hão-de sulcar o vosso rosto sedutor. (...) A virtude proporciona satisfação, dura toda a vida, por muito longa que seja e, onde ela está presente, o amor mantém-se."

sábado, 10 de outubro de 2009

"A Educação do Estóico"

"Atingi, creio, a plenitude do emprego da razão. E é por isso que tenho que me matar."

"A Educação do Estóico"

"... uma coisa difícil de definir, salvo como uma náusea física da vida."

"A Educação do Estóico"

"Tornara-me objectivo para mim mesmo. Mas não podia distinguir se com isso me achara ou me perdera."

"A Educação do Estóico"

"Comecei então a compreender como por fim cansa de tudo o esforço contínuo da perfeição inatingível, e compreendi os grandes místicos e os grandes ascetas, que reconhecem na alma a futilidade da vida."

"A Educação do Estóico"

"Nunca tive saudades. Não há época da minha vida que eu não recorde com dissabor. Em todas fui o mesmo - o que perdeu o jogo ou desmereceu do pouco da vitória.
Tive, sim, esperanças, porque tudo é ter esperanças ou é morte."

"A Educação do Estóico"

"Não me queixo dos que me cercam ou me cercaram. Nunca alguém me tratou mal, em nenhum modo ou sentido. Todos me trataram bem, mas com afastamento. Compreendi logo que o afastamento estava em mim, a partir de mim. Por isso posso dizer, sem ilusão, que fui sempre respeitado. Amado, ou querido, nunca fui. Reconheço hoje que o não poderia ser. Tinha boas qualidades, tinha emoções fortes (...) - mas não tinha o que se chama amor."

"A Educação do Estóico"

"O escrúpulo é a morte da acção. Pensar na sensibilidade alheia é estar certo de não agir. Não há acção, por pequena que seja - e quanto mais importante, mais isso é certo - que não fira outra alma, que não magoe alguém, que não contenha elementos de que, se tivermos coração, nos não tenhamos que arrepender. Muitas vezes tenho pensado que a filosofia real do eremita estará antes no esquivar-se a ser hostil, pelo simples facto de viver, do que em qualquer pensamento directamente relacionado com o isolar-se."

"A Educação do Estóico"

"Não é a dor moral que me leva a matar-me; é a vacuidade moral em que a dor assenta."

"A Educação do Estóico"

"(...) ao contrário do vulgar, tive sempre mais medo da morte do que de morrer."

"Aparição"

"Um dia, meu amor, (e talvez cedo,
Que já sinto estalar-me o coração!)
Recordarás com dor e compaixão
As ternas juras que te fiz a medo…

Então, da casta alcova no segredo,
Da lamparina ao trémulo clarão,
Ante ti surgirei, espectro vão,
Larva fugida ao sepulcral degredo…

E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
E aflitos ais, estenderás os braços
Tentando segurar-te aos meus vestidos…

- «Ouve! espera!» – Mas eu, sem te escutar,
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços
E como fumo sumir-me-ei no ar!"

"A J. Félix dos Santos"

"Sempre o futuro, sempre! E o presente
Nunca! Que seja esta hora em que se existe
De incerteza e de dor sempre a mais triste,
E só farte o desejo um bem ausente!

Ai! Que importa o futuro, se inclemente
Essa hora, em que a esperança nos consiste,
Chega… é presente… só à dor assiste?...
Assim, qual é a esperança que não mente?

Desventura ou delírio?... O que procuro,
Se me foge, é miragem enganosa,
Se me espera, pior, espectro impuro…

Assim a vida passa vagarosa:
O presente, a aspirar sempre ao futuro:
O futuro, uma sombra mentirosa"

"A Germano Meireles"

"Só males são reais, só dor existe:
Prazeres só os gera a fantasia"

"A Educação do Estóico"

"Não é no individualismo que reside o nosso mal, mas na qualidade desse individualismo. E essa qualidade é ele ser estático em vez de dinâmico. Damo-nos valor por o que pensamos, em vez de por o que fazemos. Esquecemos que (...) a primeira função da vida é a acção, como o primeiro aspecto das coisas é o movimento."

"A Educação do Estóico"

"Sinto o coração como um peso inorgânico."

"A Educação do Estóico"

"Ponho fim a uma vida que me pareceu poder conter todas as grandezas, e não vi conter senão a incapacidade de as querer. Se tive certezas, lembro-me sempre que todos os loucos as tiveram maiores."

"A Educação do Estóico"

"Atingi à saciedade do nada, à plenitude de cousa nenhuma. O que me levará ao suicídio é um impulso como o que leva a deitar a cedo. Tenho um sono íntimo de todas as intenções.
Nada pode já transformar a minha vida. Se... se... Sim, mas se é sempre uma cousa que não aconteceu; e se não aconteceu, para que supor o que seria se ela fosse?"

"Como Vejo o Mundo"

"Os ideais que sempre me iluminaram e me encheram incessantemente de coragem de viver em alegria foram a Bondade, a Beleza e a Verdade. Sem o sentimento de harmonia com aqueles que têm as mesmas convicções, sem a indagação daquilo que é objectivo e eternamente inatingível no campo da arte e da investigação científica, a vida ter-me-ia parecido vazia. Os fins banais do esforço humano: propriedade, êxito exterior e luxo, sempre me pareceram desprezíveis."

domingo, 4 de outubro de 2009

"A Arte de Amar"

"Mas, ao desfraldares as velas, não queiras que a tua amiga se deixe ficar para trás nem te tome a dianteira. Deveis alcançar a meta os dois ao mesmo tempo. O cúmulo da volúpia é quando, vencidos os dois, homem e mulher jazem sem força. Eis o procedimento a ter quando tenhas tempo livre e o medo não te obrigue a apressares o amor."

terça-feira, 29 de setembro de 2009

"Diário"

"A morte é séria, realmente. Mas a vida é mais. Não se pode comparar a gravidade de perder o jogo numa só cartada inconsciente, com a de passar anos e anos a tentar em vão todos os números da roleta, roído pela consciência permanente da derrota."

domingo, 27 de setembro de 2009

"Quatro Argumentos Para Acabar Com A Televisão"

"A convicção de que vivemos numa sociedade democrática baseia-se em podermos votar nos candidatos a cargos públicos, de quando em quando. Contudo, o direito ao voto nas eleições legislativas ou presidenciais adquire pouco ou nenhum significado se comparado com a nossa falta de controlo sobre as invenções tecnológicas que afectam mais a natureza da existência humana do que qualquer líder político. Sem esse controlo dos mecanismos tecnológicos a democracia não passará de uma farsa. Não conseguindo nós sequer pensar em libertar-nos de uma tecnologia, ou fazer com que seja banida, incorremos numa atitude de passividade e impotência semelhante à imposta por um regime ditatorial. O facto de o ditador não ser uma pessoa só torna a situação mais complexa. Apesar de muitos as utilizarem em benefício próprio, as tecnologias dominantes, e não as pessoas, tornam-se no verdadeiro ditador."

"A Arte de Amar"

"Irás ter com ela quando o quiser; desaparecerás, se vires que te evita; um homem bem educado não é nunca importuno. (...) E não te envergonhes de suportar as ofensas, os seus golpes, nem mesmo de beijar os seus delicados pés."

sábado, 26 de setembro de 2009

"Discurso Sobre a Servidão Voluntária"

"O que dá ao amigo a certeza de contar com o amigo é o conhecimento que tem da sua integridade, a forma como corresponde à sua amizade, o seu bom feitio, a fé e a constância.
Não cabe amizade onde há crueldade, onde há deslealdade, onde há injustiça."

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

"Quatro Argumentos Para Acabar Com A Televisão"

"Uma conhecida jornalista de São Francisco, Susan Halas, pôs assim o problema: «Não existem notícias, existem os media». (...) os noticiários condensam o (...) acontecimento em trinta segundos, eliminando grande parte da informação indispensável para que qualquer indivíduo, com uma razoável capacidade de análise, possa compreender os acontecimentos abordados. Apenas apresentam o esqueleto dos acontecimentos, facultando à percepção e entendimento dos telespectadores meros retalhos da realidade."

"Diário"

"Os deuses são realmente respostas transitórias às nossas perguntas eternas."

"Diário"

"(...) o tempo e o afastamento degradaram nas memórias enfrentadas a natureza e significação dos factos evocados. Onde o meu interlocutor dizia preto, dizia eu branco; onde eu dizia amarelo, dizia ele vermelho.
Fernando Pessoa, depois de ter ouvido da boca dos protagonistas duas descrições diferentes do mesmo acontecimento, feitas com critérios idênticos, fala da confusão que lhe fez aquela «existência dupla da verdade». Assim nos sucedeu, também. Contávamos, e pasmávamos ambos das mútuas versões que ouvíamos de cada sucesso. Não havia sincronização possível no diálogo. (...) Sem o parecer, quanto mais divergíamos no relato dos episódios, mais longe íamos ficando um do outro. Éramos dois cronistas antagónicos e obstinados de determinadas aventuras, e não dois sentimentais associados a elas. E dois desconhecidos, quando à despedida nos abraçámos."

"Diário"

"E acabo por concluir que o melhor ainda é ficar-se a gente pela crua sinceridade do silêncio."

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

"Discurso Sobre a Servidão Voluntária"

"Tomai a resolução de não mais servirdes e sereis livres. Não vos peço que o empurreis ou o derrubeis, mas somente que o não apoieis: não tardareis a ver como, qual Colosso descomunal, a que se tire a base, cairá por terra e se quebrará.
Os médicos aconselham a não se tocar com a mão nas chagas incuráveis; não é, pois, sensato que eu dê conselhos a um povo que há muito perdeu a consciência e cuja doença, uma vez que ele já não sente dor, é evidentemente mortal. Temos, antes, de procurar saber como esse desejo teimoso de servir se foi enraizando a ponto de o amor à liberdade parecer coisa pouco natural."

"Discurso Sobre a Servidão Voluntária"

"Assim são os tiranos: quanto mais eles roubam, saqueiam, exigem, quanto mais arruínam e destroem, quanto mais se lhes der e mais serviços se lhes prestarem, mais eles se fortalecem e se robustecem até aniquilarem e destruírem tudo. Se nada se lhes der, se não se lhe obedecer, eles, sem ser preciso luta ou combate, acabarão por ficar nus, pobres e sem nada; da mesma forma que a raiz, sem humidade e alimento, se torna ramo seco e morto."

"Discurso Sobre a Servidão Voluntária"

"Ora o mais espantoso é sabermos que nem sequer é preciso combater esse tirano, não é preciso defendermos-nos dele.
Ele será destruído no dia em que o país se recuse a servi-lo.
Não é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa alguma.
Não é preciso que o país faça coisa alguma em favor de si próprio, basta que não faça nada contra si próprio.
São, pois, os povos que se deixam oprimir, que tudo fazem para serem esmagados, pois deixariam de ser no dia em que deixassem de servir.
É o povo que se escraviza, que se decapita, que, podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela falta de liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura por todos os meios.
Se fosse difícil recuperar a liberdade perdida, eu não insistiria mais; haverá coisa que o homem deva desejar com mais ardor do que o retorno à sua condição natural, deixar, digamos, a condição de alimária e voltar a ser homem?
Mas não é essa ousadia o que eu exijo dele; limito-me a não lhe permitir que ele prefira não sei que segurança a uma vida livre.
Que mais é preciso para possuir a liberdade do que simplesmente desejá-la?"

"Comentários Sobre a Sociedade do Espectáculo"

"Já não se pede à ciência que compreenda o mundo ou o melhore nalguma coisa. Pede-se-lhe que justifique instantaneamente tudo o que faz."

"Comentários Sobre a Sociedade do Espectáculo"

"(...) Mac Luhan, o primeiro apologista do espectáculo, que parecia o imbecil mais convencido do seu século, mudou de opinião ao descobrir finalmente, em 1976, que «a pressão dos mass media empurra para o irracional», e se tornaria urgente moderar-lhe o uso."

"A Arte da Guerra"

"Por críticas que possam ser as situações e as circunstâncias em que te encontres, não desesperes; é nas ocasiões em que tudo é temível, que nada há que temer; é quando se está rodeado de todos os perigos, que não há que temer nenhum; é quando se está sem nenhum recurso, que há que contar com todos; é quando se está surpreendido, que é preciso surpreender o inimigo."

"A Sociedade do Espectáculo"

"A realidade do tempo foi substituída pela publicidade do tempo."

"A Sociedade do Espectáculo"

"(...) a realidade surge no espectáculo, e o espectáculo é real. Esta alienação recíproca é a essência e o sustento da sociedade existente."

"Bureau Of Public Secrets"

«Uma revolução anti-hierárquica deve ser uma "conspiração aberta".»

"Bureau Of Public Secrets"

«Começando pelo aspecto político, podemos distinguir de forma aproximada cinco graus de "governo":

1-Liberdade sem restrição
2-Democracia directa
a) consenso
b) domínio da maioria
3-Democracia delegada
4-Democracia representativa
5-Ditadura aberta de uma minoria

A presente sociedade oscila entre os pontos 4 e 5, isto é, entre governo minoritário declarado e governo minoritário disfarçado, ambos camuflados por uma fachada simbólica de democracia. Uma sociedade livre eliminaria os pontos 4 e 5, e progressivamente reduziria a necessidade dos pontos 2 e 3 ...

Nas democracias representativas as pessoas abdicam do seu poder ao eleger governantes.»
"Cada época tem o seu vocabulário, a fim de exorcizar os fantasmas que a contrariam."

"A Arte de Amar"

"O amor é uma espécie de serviço militar. Afastai-vos, cobardes! Não são os pusilânimes que hão-de guardar os estandartes. No campo do prazer, o que é permitido é a noite, o Inverno, são longas caminhadas, caminhos agrestes. Será a miúdo necessário que suportes a chuva caindo do céu e também pode acontecer que, morto de frio, tenhas de dormir sobre a terra nua."

domingo, 20 de setembro de 2009

"Agonia"

"Canto a pedir socorro.
A noite que atravesso é negra, e tenho medo."

"Desacerto"

"Ternura em movimento,
Vamos os dois — o sol e a sombra juntos,
O futuro e o passado no presente.
O que te digo é urgente;
O que tu me respondes não tem pressa.
A minha voz acaba na vertente
Onde a tua começa.

Apertamos as mãos enamoradas.

Uma quente, outra fria…
E sorrimos às flores que no caminho
Nos olham com seus olhos perfumados.
Tu, de pura alegria;
Eu, de melancolia…
Um a cuidar, e o outro sem cuidados.

Canta um ribeiro ao lado.

Ambos o ouvimos, mas diversamente.
O que em ti é promessa de frescura
À terra da semente semeada,
Em mim é já certeza de secura
De raiz arrancada.

Almas amantes e desencontradas

Na breve conjunção
Que tiveram na vida,
Levo de ti um halo de pureza,
Deixo-te a inquietação duma lembrança…
E é inútil pedir mais à natureza,
Surda ao meu desespero e à tua confiança."

"Saberás que não te amo e que te amo"

"Saberás que não te amo e que te amo
pois que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem sua metade de frio.

Amo-te para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.

Amo-te e não te amo como se tivesse
nas minhas mãos a chave da felicidade
e um incerto destino infeliz.

O meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quanto te amo."

"Puedo escribir los versos más tristes esta noche"

"Puedo escribir los versos más tristes esta noche.

Escribir, por ejemplo: «La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos.»

El viento de la noche gira en el cielo y canta.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.

En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.

Ella me quiso, a veces yo también la quería.
Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.

Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.

Qué importa que mi amor no pudiera guardarla.
La noche está estrellada y ella no está conmigo.

Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.

Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.

La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.

Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.

De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.

Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.

Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
Mi alma no se contenta con haberla perdido.

Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo."

"Adeus"

"É um adeus…
Não vale a pena sofismar a hora!
É tarde nos meus olhos e nos teus…
Agora,
O remédio é partir discretamente,
Sem palavras,
Sem lágrimas,
Sem gestos.
De que servem lamentos e protestos
Contra o destino?
Cego assassino
A que nenhum poder
Limita a crueldade,
Só o pode vencer
A humanidade
Da nossa lucidez desencantada.
Antes da iniquidade
Consumada,
Um poema de lírico pudor,
Um sorriso de amor,
E mais nada."

"Diário"

"Subo ao alto da serra, olho em redor, e até me parece impossível que nas pupilas tão pequenas do homem possam caber certas grandezas. Mas cabem. E mais: é nelas que tais grandezas adquirem sentido."

"Diário"

"Vi as coisas. O que não sei é se teria visto a alma das coisas."

"Diário"

"O desânimo consciente pode muito, mas, felizmente, a coragem inconsciente pode mais. Deito-me desiludido, e o subconsciente continua a fazer versos na escuridão."

"Diário"

"O pensamento entra na retorta e deixa de fora o instinto, fiel ao chouto da terra. Por mais cera científica que meta nos ouvidos, continuo a ouvir os protestos conservadores da espécie, que teme no meu corpo uma aventura em que vislumbra, aterrada, a sombra do seu aniquilamento."

"O Triunfo dos Porcos"

"Camaradas: qual é o sentido desta nossa vida? Encaremos a realidade: a nossa vida é miserável, penosa e curta. Nascemos, somos alimentados apenas com a comida necessária para nos mantermos vivos, e aqueles de entre nós que têm capacidade para isso, são forçados a trabalhar até ao limite das suas forças; e, no preciso momento em que a nossa utilidade chega ao fim, somos abatidos com terrível crueldade. (...) A vida de um animal é angústia e escravidão; esta é a verdade nua e crua. (...) Então por que é que continuamos nestas condições miseráveis? Porque a quase totalidade do produto do nosso trabalho nos é roubado pelos seres humanos. (...) O homem é o único verdadeiro inimigo que temos. Retirando o Homem da cena, a causa principal da fome e do excesso de trabalho desaparecerá para sempre."

"Diário"

"Tudo o que sou claramente não é daqui. Mas tudo o que sou obscuramente pertence a este chão. A minha vida é uma corda de viola esticada entre dois mundos. No outro, oiço-lhe a música; neste, sinto-lhe as vibrações."

"Diário"

"Só há uma solução quando se vive num ambiente medíocre, entre medíocres: recusar a mediocridade. Recusá-la sistematicamente, permanentemente, teimosamente, como o estômago recusa certos alimentos que lhe repugnam. Chegar mesmo à heroicidade de ter diante dos olhos interlocutores medíocres, e falar-lhes com a aplicação de quem estivesse a conversar com sábios da Grécia. (...) O problema é de pura higiene mental."

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

"Diário"

"Abandono-me à volúpia dum encontro meramente físico com a realidade. Fragas, matas, rios e ribeiros, tudo entra em mim como a luz pelas vidraças. Entra e cabe. Não há imagens no mundo que saciem a pura transparência. Nada entendo, e nada quero entender. E sinto paz. A paz de ser uma simples coisa permeável entre coisas impermeáveis."

"Hamlet"

"(...) para bem conhecer um homem, mister será conhecermo-nos bem a nós."

"Hamlet"

"(...) porque sei que o amor no tempo tem início,
E porque vejo, em muitos passos probatórios,
Que a sua chama e fogo o tempo lhe rareia.
No interior da mesma chama do amor habita
Uma espécie de mecha ou pavio que a reduz;
E nada se mantém eterno em plena condição,
Pois a plenitude, contraindo uma pleurisia,
Morre do próprio excesso. O que queremos fazer
No instante devemos fazer; pois esse «queremos»
Altera-se, e tem tantos abatimentos e demoras
Como há línguas, como há acidentes e mãos,
E esse «devemos» é como um suspiro pródigo
Que no aliviar magoa."

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

"Quatro Argumentos Para Acabar Com A Televisão"

"A televisão transforma a natureza passiva dos ambientes artificiais numa natureza activa. Ao contrário dos edifícios e das máquinas, a televisão entra literalmente nos seres humanos, nas nossas casas, nas nossas mentes, nos nossos corpos, tornando possível reestruturar os processos humanos a partir do interior."

"Quatro Argumentos Para Acabar Com A Televisão"

"Os situacionistas têm razão. Ao comprarmos um produto, pagamos para reaver os nossos próprios sentimentos. Tornámo-nos, por conseguinte, criaturas que somos as próprias mercadorias que compramos. Somos o próprio produto que pagamos e toda a nossa vida se reduz a servir este ciclo. Vida e mercadoria atingem fusão absoluta; o último estádio do movimento inexorável de conversão da matéria-prima em objecto comercial com «valor». A publicidade consiste no meio de disseminação interna deste estranho processo."

"A Arte de Amar"

"É útil que existam deuses, e, por tal razão, cremos que existem (...)."

"A Arte de Amar"

"Nos prados amenos a fêmea chama o touro com os seus mugidos; é sempre a fêmea quem, com os seus relinchos, chama o garanhão de cascos córneos."

"Hamlet"

"ROSENCRANTZ
Não vos entendo, senhor.

HAMLET
Fico contente por isso. Discursos engenhosos cochilam em ouvido tolo."

"Hamlet"

"RAINHA
Ah, Hamlet, partiste-me o coração em dois.

HAMLET
Deitai fora a metade pior
E vivei mais pura com a outra metade."

sábado, 12 de setembro de 2009

"Diário"

"A angústia é o rosto sério da esperança."

"Diário"

"Era jovem, e os jovens merecem que os adultos não lhes antecipem as amarguras. A vida se encarregará de lhes mostrar que toda a experiência é uma cicatriz onde a ferida continua a doer."

"Diário"

"Tenho passado a vida a dar esperança aos outros. São horas de começar a repartir alguma comigo..."

"Diário"

"No auge da maior paixão, a lucidez corta-me as asas. E caio envergonhado dos píncaros da certeza no raso chão da dúvida."

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

"A Arte de Amar"

"Mas deves saber que a luz das lâmpadas causa muitas vezes equívocos: não deves confiar muito nela. A noite e o vinho são maus elementos para julgar a beleza. (...) A noite e a obscuridade dissimulam os defeitos e encobrem indulgentemente as imperfeições, de modo que qualquer mulher parece bela. Para apreciares a beleza das pedras preciosas ou da lã vermelha, o dia é o melhor meio; toma-o também por conselheiro para julgares as feições e as linhas do corpo."

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

"Hamlet"

"Perdi nos últimos tempos, por que razão não sei, toda a minha alegria; abandonei todo o tipo de exercício, e, com efeito, qualquer coisa me turva de tal modo a disposição que esta excelente moldura, a terra, me parece um promontório estéril, este dossel sobre todos excelente, o ar, vede bem, este férvido firmamento envolvente, este tecto majéstico chispado de fogos de ouro, parece-me apenas uma congregação de vapores pestilenta e vil. Que obra de arte é o homem, que nobre na razão, que infinito nas faculdades, no movimento e na forma que admirável e preciso, como um anjo nos actos, ou um deus na apreensão: a beleza do mundo, a paragona dos animais - e no entanto para mim, que é esta quintessência do pó? Os homens não me encantam - nem as mulheres, embora com esse sorriso o queiras insinuar."

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

"A Educação do Estóico"

"Não há maior tragédia do que a igual intensidade, na mesma alma ou no mesmo homem, do sentimento intelectual e do sentimento moral. Para que um homem possa ser distintivamente e absolutamente moral, tem que ser um pouco estúpido. Para que um homem possa ser absolutamente intelectual, tem que ser um pouco imoral. Não sei que jogo ou ironia das coisas condena o homem à impossibilidade desta dualidade em grande. Por meu mal, ela dá-se em mim. Assim, por ter duas virtudes, nunca pude fazer nada de mim. Não foi o excesso de uma qualidade, mas o excesso de duas, que me matou para a vida."

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

"A Arte de Amar"

"Enquanto és livre e vais onde te agrada sem estares sujeito a nenhum jugo, escolhe aquela a quem possas dizer:«Só tu me agradas.» Mas ela não te cairá aos pés como se descesse do céu no meio da atmosfera transparente; tens que buscar a mulher que fascinará os teus olhos."

"A Arte de Amar"

"Antes de tudo, soldado que pela primeira vez enfrentas combates dos quais nada sabes, preocupa-te com encontrar o objecto do teu amor. Em seguida, dedica os teus esforços a impressionar a jovem que te agradou e, em terceiro lugar, esforça-te por fazeres durar o amor."

"O Animal Moribundo"

"-Depois de ti nunca mais tive um namorado ou um amante que amasse o meu corpo tanto como tu o amaste.
-Tiveste namorados?
Lá estava eu de novo, com a mesma conversa. Esquece os namorados. Mas não conseguia.
-Tiveste, Consuela?
-Tive, mas não muitos.
-Dormiste regularmente com homens?
-Não. Numa base regular, não.
-Como era o teu emprego? Não houve ninguém no teu emprego que se apaixonasse por ti?
-Apaixonavam-se todos.
-Eu compreendo isso. Mas, e depois? Eram todos homossexuais? Não conheceste homens heterossexuais?
-Conheço, conheci, mas não prestavam.
-Não prestavam porquê?
-Masturbavam-se apenas no meu corpo.
-Oh, isso é lamentável. É estúpido. É idiota.
-Mas tu amavas o meu corpo. E eu sentia-me orgulhosa dele."

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

"Eu próprio sou"

"Eu próprio sou
O Universo onde estou"

"Não basta abrir a janela"

"Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela."