domingo, 13 de dezembro de 2009

"O Dom"

"Considerar-se medíocre era quase melhor do que acreditar que era um génio: Fedor duvidava da primeira hipótese e concedia a segunda, mas mais importante do que isso, lutava por não se render ao desespero infernal da página em branco. Porque havia coisas que queria exprimir tão natural e livremente como os pulmões querem expandir-se, resultava daí que deviam existir palavras convenientes para a respiração. Os lamentos dos poetas tantas vezes repetidos de que, infelizmente, não há palavras disponíveis, que as palavras são cadáveres lívidos, que as palavras são incapazes de exprimir os nossos sentimentos erraticamente indefinidos (e para o provar libertam uma torrente de hexâmetros trocaicos) pareciam-lhe tão desprovidos de sentido como a convicção assente do mais idoso habitante duma cabana de montanha de que essa montanha nunca foi escalada por ninguém nem nunca o será; numa bela manhã fria, aparece um inglês grande e esgalgado, e trepa alegremente até ao cume."

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