sábado, 7 de novembro de 2009

"O Dom"

"Filho dum respeitável idiota dum professor e da filha dum funcionário público, crescera num meio maravilhosamente burguês, entre um aparador semelhante a uma catedral e lombadas de livros dormentes. Era de boa índole, embora não fosse bom; sociável, mas um pouco inconstante, impulsivo, e ao mesmo tempo calculista. Apaixonou-se por Olya duma maneira decisiva após uma excursão de bicicleta com ela e Yacha pela Floresta Negra, um passeio que, como mais tarde testemunhou no inquérito, «foi revelador para nós os três»; apaixonou-se por ela ao nível mais baixo, de maneira primitiva e com impaciência, mas da parte dela recebeu uma recusa sem apelo, uma recusa que era tanto mais viva quanto Olya, rapariga indolente, com tendência para se agarrar às pessoas e duma extravagância sombria, se tinha pelo seu lado (nos mesmos bosques de pinheiros, junto ao mesmo lago circular e negro) «dado conta de que estava caída» por Yacha, que se sentia tão oprimido por isso como Rudolf pelo ardor de Yacha, e ela própria pelo ardor de Rudolf, de modo que a relação geométrica dos seus sentimentos inscritos estava completa, lembrando as ligações recíprocas tradicionais algo misteriosas das dramatis personae dos dramaturgos franceses do século XVIII em que X é a amante de Y e Y é o amant de Z."

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