sábado, 25 de dezembro de 2010

Às Memórias Da Minha Infância

A minha avó prostrava-se e rastejava, encolhida, pelo chão. De mãos juntas pedia perdão a todos. Eu, pequena, olhava-a e não entendia a razão: achava-a santa, sem coisas más, sem maldade. Ela, desesperada, continuava expiando os seus queridos pecados. Eu ficava triste, como ela, e só sabia sentir que nada podia fazer, que nenhuma alegria lhe podia conceder. Não entendo por que razão ninguém me arrancou dali, levando-me embora. Estas suas ausências passaram a fazer parte da minha presença perto dela, que era diária. Durante essas ausências eu ficava vazia do amor dela e morria um bocadinho.
O meu avô chegava a casa do trabalho, para o almoço, e atirava com o prato, descontente com a comida que ela tinha preparado com carinho. A comida era deliciosa, mas a relação deles era odiosa. Nesses momentos de ira massiva ninguém dizia nada, pairava um silêncio parecido com o dos cemitérios (quando não há por lá funerais: pois é! por estranho que pareça não há nada mais barulhento que um enterro; choram aos gritos, revêem-se familiares desconhecidos, come-se bastante e contam-se anedotas). Depois ele voltava para o trabalho e as coisas normalizavam, a não ser que se desse mais uma ausência acamada da minha avó.
Lembro-me de outras coisas, mas não consigo articulá-las em forma de escrita, de qualquer forma já fiz a catarse, retiro-me agora.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

"O Prado De Béjin"

"Eu próprio vi muitas vezes essa Akulina. Maltrapilha, esquelética, com uma cara negra como carvão, com olhos turvos e os dentes sempre arreganhados, fica horas a fio no mesmo sítio, no meio do caminho, apertando muito as mãos ossudas ao peito e mudando lentamente de um pé para o outro, como um animal selvagem na jaula. Não compreende o que lhe dizem, apenas ri espasmodicamente de vez em quando."

terça-feira, 23 de novembro de 2010

"As Cidades Invisíveis"

"O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir; se houver um, é o que já está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos. Há dois modos para não o sofrermos. O primeiro torna-se fácil para muita gente: aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos. O segundo é arriscado e exige uma atenção e uma aprendizagem contínuas: tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, quem e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar."

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

"O Estrangeiro"

"Como se esta grande cólera me tivesse limpo do mal, esvaziado da esperança, diante desta noite carregada de sinais e de estrelas, eu abria-me, pela primeira vez, à terna indiferença do Mundo."

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ser «Lá»

Aqui, onde me sento/sinto e estou, vou para lá do que existe. Penso o que não existe e existo assim. «Lá» é uma expressão do sítio de onde vim, em que habitei outrora. «Lá» chama-se, na verdade, princípio (alpha) e fim (beta). Possui a essência de lugar: quente, protegido, amistoso; como estar dentro de uma lareira sem o queimar do fogo. Consigo transitar de «aqui» para «lá» sempre que preciso e tenho vontade. Então, posso ficar serena e enraizada na sensação de não ser/ter nada, fluir ao ritmo do ar e confundir-me com a água da Terra toda. Ao mesmo tempo, eu sou só sentir: vejo os sons, toco nas cores, cheiro a sensação de ter as mãos vazias, ouço os olhares nas ruas desconstruídas, e saboreio todos os cinco sentidos como se fossem um só - a ideia de uno e indivisível... Sou toda a inexistência, mas fundo-me nos outros, que existem, e eles estão em mim, sempre... Por isso, não os tolero e volto a ser mar sem fim, ar leve, sem respirar quase; elevo-me até ao fim. E já me tenho só como sonho, preso no sono. Não quero acordar, não posso acordar... A Realidade do mundo e das coisas faz-me feia e tira-me o sentido. Obriga-me a Ser, esse pesadelo!

domingo, 14 de novembro de 2010

"As Cidades Invisíveis"

"Pensei: «Chega-se a um momento na vida em que da gente que se conheceu são mais os mortos que os vivos. E a mente recusa-se a aceitar outras fisionomias, outras expressões: em todos os rostos novos que encontra, grava as velhas feições, para cada uma arranja a máscara que melhor se lhe adapta»."

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

"As Cidades Invisíveis"

"Entrando no território de Eutrópia por capital, o viajante vê não uma cidade mas muitas, de igual grandeza e não diferentes umas das outras, espalhadas por um vasto e ondulado planalto. Eutrópia é não uma mas sim todas estas cidades juntas; uma só é habitada, as outras estão vazias; e isto faz-se por rotação. Vou contar como. No dia em que os habitantes de Eutrópia se sentem atacados pelo cansaço, e já ninguém suporta o seu ofício, os parentes, a casa e a rua, as dívidas, a gente que deve cumprimentar ou que o cumprimenta, então todos os cidadãos decidem transferir-se para a cidade vizinha que está ali à espera, vazia e como nova, onde cada um tomará outro ofício, outra mulher, verá outra paisagem ao abrir a janela, passará as noites com outros passatempos amizades maledicências. Assim a sua vida renova-se de mudança, entre cidades que devido à exposição ou ao declive ou aos cursos de água ou aos ventos se apresenta cada uma com qualquer diferença das outras. Sendo a sua sociedade ordenada sem grandes diferenças de riqueza ou de autoridade, as passagens de uma função para outra dão-se quase sem abalos; a variedade é assegurada pelas múltiplas incumbências, de tal modo que no espaço de uma vida raramente se regressa a um ofício que já tenha sido o seu.
Assim a cidade repete a sua vida sempre igual deslocando-se para baixo e para cima sobre o seu tabuleiro de xadrez vazio. Os habitantes voltam a representar as mesmas cenas com actores mudados; tornam a dizer as mesmas frases com entoações diversamente combinadas: abrem bocas alternadas em iguais bocejos. Sozinha entre todas as cidades do império, Eutrópia permanece idêntica a si própria. Mercúrio, deus dos volúveis, ao qual é consagrada a cidade, fez este ambíguo milagre."

sábado, 6 de novembro de 2010

"As Cidades Invisíveis"

"Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos."

"As Cidades Invisíveis"

"A cidade é redundante: repete-se para que haja qualquer coisa que se fixe na mente.
(...) A memória é redundante: repete os sinais para que a cidade comece a existir."

"As Cidades Invisíveis"

"(...) foi inutilmente que parti em viagem para visitar a cidade: obrigada a permanecer imóvel e igual a si própria para melhor ser recordada, Zora estagnou, desfez-se e desapareceu. A Terra esqueceu-a."

"As Cidades Invisíveis"

"(...) a cidade não conta o seu passado, contém-no como as linhas da mão, escrito nas esquinas das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos postes das bandeiras, cada segmento marcado por sua vez de arranhões, riscos, cortes e entalhes."

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

"O Falar Das Letras"

"O equilíbrio e o bom funcionamento mental, tal como as várias perturbações psíquicas da criança e do adulto, dependem muito da forma como se aprendeu a falar e a calar. Da forma como se aprendeu a funcionar mentalmente.

O silêncio aparente das palavras pode ser rompido pelos sintomas, mas os próprios sintomas podem silenciar-se pela repressão medicamentosa ou educativa, ou pela angústia que persiste ou se acentua. Neste caso, a própria inteligência poderá ser bloqueada no seu desenvolvimento.
A repressão dos sintomas e a repressão da fantasia podem matar a inteligência. A criança pode calar-se definitivamente ou aprender a falar como os papagaios amestrados; sem pensar próprio. Silêncio pode ser vida, silêncio pode ser morte."

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

"Lettres"

"As obras de arte nascem sempre de quem afrontou o perigo, de quem foi até ao extremo de uma experiência, até ao ponto que nenhum ser humano pode ultrapassar. Quanto mais longe a levamos, mais nossa, mais pessoal, mais única se torna uma vida."

sábado, 9 de outubro de 2010

"Adolescência: O Triunfo Do Pensamento E A Descoberta Do Amor"

"(...) esse indomável combatente da liberdade e do progresso, essa energia vital ou élan criador - a líbido (...)."

"O Mito De Sísifo"

"Do amor só conheço esta mistura de desejo, de ternura e de inteligência que me liga a determinado ser."

Introdução de "O Estrangeiro"

"(...) o estrangeiro é o homem em face do mundo (...)."

Introdução de "O Estrangeiro"

"O homem absurdo afirma-se na revolta."

Introdução de "O Estrangeiro"

"(...) acedemos a uma lucidez sem esperança."

"A Poética Do Espaço"

"Para os grandes sonhadores de cantos, de ângulos, de buracos, nada é vazio, a dialéctica do cheio e do vazio corresponde apenas a duas realidades geométricas. A função de habitar faz a ligação entre o cheio e o vazio. Um ser vivo preenche um refúgio vazio. E as imagens habitam. Todos os cantos são frequentados, se não habitados."

"A Poética Do Espaço"

"A miniatura é uma das moradas da grandeza."

"Poésie Noire, Poésie Blanche"

"Escuta bem (...). Não as minhas palavras, mas o tumulto que se eleva no teu corpo quando me escutas."

"L'Enfant"

"O espaço sempre me fez silencioso."

terça-feira, 28 de setembro de 2010

"A Poética Do Espaço"

"Um valor que não treme é um valor morto."

"Vergers"

"Ó nostalgia dos lugares que não foram
Bastante amados na hora passageira
Quem me dera devolver-lhes de longe
O gesto esquecido, a acção suplementar."

domingo, 19 de setembro de 2010

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"Pale Fire"

"Gosto de ti no relvado a ver algo
Numa árvore: «Já se foi.
Tão pequeno. Talvez volte» (tudo dito
Em voz mais suave que um beijo).
Gosto que me chames a ver
O rasto de um avião ao fogo do ocaso.
Gosto do teu canto em surdina
Enquanto fazes malas ou o ridículo
Saco de viagem com fecho à volta. E gosto muito
Quando num aceno pensativo saúdas
O seu fantasma, um brinquedo seu na mão,
Ou vês um postal dela achado num livro.

Ela podia ser eu, tu ou uma estranha mistura:
A natureza escolheu-me para rasgar, dilacerar
O teu e o meu coração. (...)"
"Quando o abrigo é seguro, a tempestade é boa."

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

"A Poética Do Espaço"

"(...) é preciso que o saber seja acompanhado de um igual esquecimento do saber. O não-saber não é uma ignorância, mas um acto difícil de superação do conhecimento. É a esse preço que uma obra é a cada instante essa espécie de começo puro que faz da sua criação um exercício de liberdade."

"A Poética Do Espaço"

"(...) a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa permite sonhar em paz."

"A Poética Do Espaço"

"(...) o espaço retém o tempo comprimido."

"Consuelo"

"Que pode haver de mais belo que um caminho? É o símbolo e a imagem da vida activa e variada."

"L'Homme À La Découverte De Son Âme"

"A consciência comporta-se (...) como um homem que, ouvindo um ruído suspeito no porão, precipita-se para o sótão para constatar que lá não há ladrões e que (...) o ruído era pura imaginação. Na realidade, esse homem prudente não ousou aventurar-se no porão."

"A Poética Do Espaço"

"As verdadeiras imagens são gravuras. A imaginação grava-as na nossa memória."

"A Poética Do Espaço"

"A casa é um corpo de imagens que dão ao homem razões ou ilusões de estabilidade."

"A Poética Do Espaço"

"A casa não tem raízes. Coisa inimaginável para um sonhador de casa: os arranha-céus não têm porão. (...) Os edifícios, na cidade, têm apenas uma altura exterior. Os elevadores destroem os heroísmos da escada. Já não há mérito em morar perto do céu. E o em casa não é mais que uma simples horizontalidade. (...) As casas, ali, já não estão na natureza. As relações da moradia com o espaço tornam-se artificiais. Tudo é máquina e a vida íntima foge por todos os lados."

"La Fuite Devant Dieu"

"As ruas são como tubos onde os homens são aspirados."

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

sábado, 11 de setembro de 2010

"Livro Do Desassossego"

"Uma tristeza de crepúsculo, feita de cansaços e de renúncias falsas, um tédio de sentir qualquer coisa, uma dor como de um soluço parado ou de uma verdade obtida."
"Quem, se eu gritar, poderá ouvir-me (...)?"

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

"Livro Do Desassossego"

"A sublimidade de desperdiçar uma vida que podia ser útil, de nunca executar uma obra que por força seria bela, de abandonar a meio caminho a estrada certa da vitória."

sábado, 31 de julho de 2010

"Ali-Babá"

"Era uma vez um jovem que não gostava de ser jovem, ou melhor, que lidava muito mal com o facto de ser jovem. Não sabia o que fazer com o corpo, nem com o sexo. O jovem tinha uma peculiaridade: não sabia falar. Quer dizer, sabia articular palavras, sons, mas a brutalidade de sentimentos, a violência dos afectos, ou mesmo o impulso ocasional à ternura e à suavidade não encontravam geralmente o gesto e a palavra. Queria ser amado, mas sobretudo queria ser reconhecido, embora desconhecesse quem e como devia reconhecê-lo.
O facto é que o jovem procurava no outro o que devia encontrar em si mesmo e esse pecado de ignorância foi sem dúvida um dos marcos da sua tragédia.
(...) o jovem que não queria ser jovem confundia (e às vezes era confundido) desejo de autonomia com arrogância, independência com provocação, liberdade com revolta.
(...) tudo o que o jovem fazia, sem se dar conta, era fazer falar por si uma criança maligna, ávida, destrutiva e imprevisível.
É claro que o jovem que não gostava de ser jovem às vezes dava-se conta de algo errado consigo próprio, e então queria morrer, embora não soubesse que coisa e quem queria matar. Por isso, às vezes também pensava em partir, embora não soubesse para onde ou para quê.
(...) O jovem partilhava com alguns humanos a confusão entre fantasia de renascimento e nascimento de si mesmo. Porque o jovem não tolerava a ideia de morrer e por isso vivia também fascinado com a ideia de morte."

"Ali-Babá"

"- (...) Suponho que foi um de vocês que afirmou serem as overdoses suicídios camuflados e o número de suicídios muito maior nos toxicómanos que na população em geral. Ora aonde está aí a negação da angústia de morte?
- Aí mesmo. A menos que você pense que alguém de facto se mata, ou melhor, que alguém sabe o que é a morte."

"Ali-Babá"

"(...) voltando ainda ao toxicómano, repare como ele resolve o problema. A ideia de morte é um património de futuro (sei que um dia morrerei) e o padrão habitual de consumo é uma presentificação do tempo. Por outro lado, toda a experiência que o drogado faz com o corpo, testemunha a negação do limite."

"Ali-Babá"

"A questão é quem aceita a ideia de que um dia vai morrer. A conjugação adolescente faz-se numa descoberta do corpo desejante que por isso mesmo se torna um corpo mortal."

"Ali-Babá"

"O vivido toxicomaníaco é isso mesmo, maníaco. Por outras palavras, frequentemente por detrás do consumo de drogas encontramos uma angústia de morte não elaborada."

"Ali-Babá"

"Não sei se leram um livro de um psiquiatra francês chamado «Somos todos psicossomáticos». De algum modo, a inespecificidade das características a jusante da iniciação aditiva far-me-ia dizer «Somos todos toxicodependentes».
Mas realmente não o somos. É claro que as grosserias preventivas meteram no mesmo saco álcool, tabaco, cannabis e heroína. Com esperança e paciência ainda seremos insultados por tomar café em público. Talvez nas fantasias dos especialistas de prevenção de psicoestimulantes a velha dama inglesa tenha de se esconder na latrina para tomar chá, enquanto as práticas sexuais dependem no plano do reconhecimento, vide da sua despsicopatologização, do número de técnicos de saúde mental que as pratiquem."

"Ali-Babá"

"Sacrifiquei a voz ao corpo, para que este fosse desejo. Porém a voz do desejo não fala mais em mim. Hoje sou apenas carência e falta. Aonde a tempestade dos meus sinais biológicos pedia ordenação à linguagem, símbolos, palavras, rebentou o vazio em mim, essa soberba, ávida e insaciável, aonde se esgotam todos os ritos de compreensão, todos os sinais de solidariedade.
Minto e não sou mentiroso, porque de verdade gostava de ser verdadeiro, mas não sei mais ser verdadeiro, já não sei alinhar as palavras senão para dizer da minha necessidade."

domingo, 25 de julho de 2010

"Livro Do Desassossego"

"Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso."

"Livro Do Desassossego"

"Sonhadores felizes são os pessimistas. Formam o mundo à sua imagem e assim sempre conseguem estar em casa. A mim o que me dói mais é a diferença entre o ruído e a alegria do mundo e a minha tristeza e o meu silêncio aborrecido."

"Livro Do Desassossego"

"Eu não sou pessimista. Não me queixo do horror da vida. Queixo-me do horror da minha. O único facto importante para mim é o facto de eu existir e de eu sofrer e de não poder sequer sonhar-me de todo para fora de me sentir sofrendo."

quarta-feira, 21 de julho de 2010

"Livro Do Desassossego"

"Eu não sou pessimista, sou triste."

"Livro Do Desassossego"

"Escuta-me ainda, e compadece-te. Ouve tudo isto e diz-me depois se o sonho não vale mais do que a vida. O trabalho nunca dá resultado. O esforço nunca chega a parte nenhuma. Só a abstenção é nobre e alta, porque ela é a que reconhece que a realização é sempre inferior e que a obra feita é sempre a sombra grotesca da obra sonhada."

sábado, 10 de julho de 2010

"O Jogador"

"É verdade que o homem gosta de ver o seu melhor amigo humilhado diante dele: é sobre a humilhação que assenta a maior parte das vezes a amizade; eis uma velha verdade, que todas as pessoas conhecem."

"O Jogador"

"Talvez que depois de ter passado por tão grande número de sensações, a alma não possa saciar-se mas só irritar-se e exija sensações novas, mais e mais violentas, até ao esgotamento total."

domingo, 20 de junho de 2010

"A Civilização E Os Seus Descontentamentos"

"O mandamento de amarmos o nosso próximo como a nós próprios é a defesa mais forte que existe contra a agressividade humana e é um exemplo superlativo de uma atitude psicológica do superego cultural."

"A Civilização E Os Seus Descontentamentos"

"O objectivo para o qual o princípio do prazer nos impele - o de nos tornarmos felizes - não é atingível; contudo, não podemos - ou melhor, não temos o direito - de desistir do esforço da sua realização de uma maneira ou de outra. Caminhos muito diferentes podem ser seguidos para isso; alguns dedicam-se ao aspecto positivo do objectivo, o atingir o prazer; outros o negativo, o evitar da dor. Por nenhum destes caminhos conseguimos atingir tudo o que desejamos."

"A Civilização E Os Seus Descontentamentos"

"(...) um sentimento só poderá ser fonte de energia se ele próprio for a expressão de uma necessidade intensa. A necessidade de religião ter origem no sentimento de abandono da criança e no anseio que suscita pelo pai, parece-me incontestável, principalmente porque este sentimento não é simplesmente trazido dos dias da infância, mas mantido permanentemente vivo pelo medo do poder superior do destino."

quinta-feira, 17 de junho de 2010

"Livro Do Desassossego"

"Dormimos ali acordados dias, contentes de não ser nada, de não ter desejos nem esperanças, de nos termos esquecido da cor dos amores e do sabor dos ódios. Julgávamo-nos imortais...
Ali vivemos horas cheias de um outro sentirmo-las, horas de uma imperfeição vazia e tão perfeitas por isso, tão diagonais à certeza rectângula da vida... (...)
E doía-nos gozar aquilo, doía-nos... Porque, apesar do que tinha de exílio calmo, toda essa paisagem nos sabia a sermos deste mundo, toda ela era húmida da pompa de um vago tédio, triste e enorme e perverso como a decadência de um império ignoto..."

"Livro Do Desassossego"

"Num torpor lúcido, pesadamente incorpóreo, estagno, entre o sono e a vigília, num sonho que é uma sombra de sonhar. Minha atenção bóia entre dois mundos e vê cegamente a profundeza de um mar e a profundeza de um céu; e estas profundezas interpenetram-se, misturam-se, e eu não sei onde estou nem o que sonho."

terça-feira, 15 de junho de 2010

"Nadja"

"Tu, a mais viva das criaturas, que pareces ter surgido no meu caminho só para que eu sentisse em todo o seu rigor a força do que tu não sentes."

segunda-feira, 14 de junho de 2010

"Nadja"

"Mas na minha opinião todos os internamentos são arbitrários. Continuo a não ver por que razão se há-de privar um ser humano de liberdade. Encerraram Sade; fecharam Nietzsche; prenderam Baudelaire."

"Nadja"

"(...) no mundo de Nadja tudo tomava rapidamente a aparência da assunção e da queda."

"Nadja"

"Há muito tempo que eu tinha deixado de me entender com Nadja. Em boa verdade, talvez nunca nos tivéssemos entendido, pelo menos na maneira de considerar as coisas simples da existência."

"Nadja"

«És o meu senhor. Não passo de um átomo que respira, ou expira, ao canto da tua boca. Quero palpar a serenidade de um dedo molhado de lágrimas.»

"Nadja"

«O fim da minha respiração é o começo da tua.»

"Nadja"

"Do primeiro ao último dia, sempre vi em Nadja um génio livre, algo assim como um desses espíritos do ar que certas práticas de magia permitem momentaneamente atrair, mas impossíveis de submeter."

sábado, 12 de junho de 2010

"A Criança Atrasada E A Mãe"

"No caso da debilidade mental, a inteligência deficiente vai ocupar a mãe ao ponto que, diante dos outros, a insuficiência do filho será sempre objectivada por ela. (É nele que qualquer coisa falta e, enquanto a mãe está persuadida disso, a doença do filho vai dissimular a doença materna)."

"A Criança Atrasada E A Mãe"

"(...) debilidade e psicose confundem-se - e é por esta razão que importa, na conduta do tratamento, receber ao mesmo tempo a mensagem do filho e dos pais: é antes mesmo do nascimento do filho que existe o clima que favorece a eclosão psicótica. Desde a concepção, o indivíduo representa para a mãe um papel muito preciso no plano fantasmagórico; o seu destino já está traçado; será esse objecto sem desejos próprios, cujo único papel será preencher o vazio materno."

"A Criança Atrasada E A Mãe"

"(...) a criança é tributária da saúde dos pais, (...) ela participa, sem eles o saberem, nas dificuldades que eles próprios não conseguem superar."

"A Criança Atrasada E A Mãe"

"A psicanálise freudiana caracteriza-se pela importância dada ao «desejo» na constituição do indivíduo e do objecto. J. Lacan faz notar que o desejo distingue-se da «necessidade» e do «pedido». O desejo aparece esvaziado, como uma incapacidade do ser, que subsiste como insuficiência, mesmo que a necessidade e o pedido tenham sido satisfeitos. A satisfação da necessidade apresenta-se então como um logro. A mãe, lograda na perspectiva da necessidade e do pedido, julga-se escapar aos problemas do desejo, enfartando o filho «com a atmosfera sufocante do que ele tem», esquecendo «o que ele não tem» e «confundindo os seus cuidados com o dom do seu amor».
O pedido (que é a articulação da necessidade e que corresponde mesmo ao nascimento da linguagem) está assim no ponto da relação do filho com a mãe e das vicissitudes desta relação."

"A Criança Atrasada E A Mãe"

"Um corpo (...) nunca é um corpo, mas bocados que se entendem ou não entendem."

"A Criança Atrasada E A Mãe"

"(...) a criança atrasada e a mãe formam, em certos momentos, um só corpo, confundindo-se tanto o desejo de um com o do outro que os dois parecem viver uma só e mesma história."

"A Criança Atrasada E A Mãe"

"É no inconsciente dos pais que muitas vezes é preciso procurar o inconsciente da criança para poder com eles fazer um certo trabalho que torne possível a cura da criança. Equivale isto a criar uma situação em que se torne enfim concebível que a verdade escondida por detrás dos sintomas seja assumida pelo indivíduo. (...) a criança é neste caso o penhor vivo duma mentira ao nível do casal."

"A Criança Atrasada E A Mãe"

"A situação «a dois» provoca por vezes na mãe tais satisfações que a evolução do filho chega a ser sentida por ela como uma perda de objecto, como se a criança deixasse uma parte do corpo materno. Não são raros os mecanismos de luto patológico nestes momentos em que surge a esperança de melhoras do filho. Certa mãe procurou uma clínica para débeis no dia em que recebeu a confirmação de que o filho se encontrava recuperado no plano intelectual: só a intervenção do pai pôde evitar a recaída do filho que, de facto, convinha à mãe."

"A Criança Atrasada E A Mãe"

"(...) a mãe em caso algum confia o filho a outra pessoa, a não ser para provar a si mesma e aos outros que ninguém, além dela, é capaz de fazer face à situação."

"A Criança Atrasada E A Mãe"

"Ora, por detrás da máscara da debilidade, dissimula-se por vezes uma evolução psicótica ou perversa. Noutros casos trata-se de um equivalente psicossomático do qual o doente se apodera."

"A Criança Atrasada E A Mãe"

"Foi deitada no divã analítico que a criança pronunciou estas palavras. (...) houve atitudes regressivas, quase fatais, duma criança dobrada sobre si mesma, que dizia raivosamente: «Eu não nasci». (...) «Eu sofro de tal modo, dizia-me a criança, que, por causa disso, vou perder o coração do meu coração»."

"A Criança Atrasada E A Mãe"

"(...) a inteligência não é um puro factor quantitativo nem mesmo equivale a uma adaptação; mas sim um instrumento ao serviço de fins que podem escapar-nos. Em Nicolau, a falta de inteligência permitia o esquecimento e a ausência de revolta."

"A Criança Atrasada E A Mãe"

"Os males de fígado, de estômago, de que, numa consulta pediátrica, uma mãe se queixa, por vezes não são mais do que uma manifestação de angústia (da mãe ou do filho) traduzida nessa linguagem sem palavras que é a doença. (...) nalguns casos o perigo de morte em que se encontra uma criança reside principalmente na incapacidade de suportar sozinha um peso de angústia demasiado grande."

quinta-feira, 10 de junho de 2010

"Nadja"

"A vida é muito diferente daquilo que se escreve."

"A Criança Atrasada E A Mãe"

"Se o pai está abatido, resignado, cego ou inconsciente do verdadeiro drama que se desenrola, a mãe está a maior parte das vezes terrivelmente lúcida. Feita para dar a vida, ela é de tal modo sensível a qualquer atentado à vida que saiu dela que pode também sentir-se senhora da morte quando o ser que trouxe ao mundo lhe retribui toda a projecção humana impossível.
Porquê? Porque, digamo-lo desde já, a enfermidade dum filho atinge a mãe num plano narcísico: dá-se uma perda brusca de toda a marca de identificação que implica, como corolário, a possibilidade de comportamentos impulsivos. Trata-se dum pânico diante duma imagem do «eu» que jamais poderá ser reconhecida ou amada.
A relação de amor mãe-filho terá sempre, neste caso, um ressaibo de morte, de morte negada, disfarçada a maior parte das vezes em amor sublime, algumas vezes em indiferença patológica, outras vezes em recusa consciente; mas as ideias de homicídio existem, mesmo que nem todas as mães possam tomar consciência disso."

"A Criança Atrasada E A Mãe"

"Porque pode acontecer que sejam os fantasmas da mãe que orientam a criança para o seu destino.
Mesmo nos casos em que está em jogo um factor orgânico, a criança não tem só que fazer face a uma dificuldade inata, mas ainda à maneira como a mãe traduz este defeito num mundo fantasmagórico que acaba por ser comum aos dois."

"Três Ensaios Sobre A Teoria Da Sexualidade"

"-Tia, diz-me qualquer coisa, tenho medo porque está tão escuro.
-Para que te serviria isso se tu não podes ver-me?
-Não faz mal: desde que alguém fale, há claridade."

Prefácio de "A Criança Atrasada E A Mãe"

"O psicanalista é o homem que desenreda os fios do destino, faz chegar à palavra o universo imaginário que visita o seu doentinho. O homem que desobstrui os caminhos da liberdade.
O papel não é fácil."

Prefácio de "A Criança Atrasada E A Mãe"

"(...) o drama duma criança desenrola-se por vezes vinte anos, quarenta anos antes do seu nascimento. Os protagonistas foram os pais ou até os avós. Tal é a encarnação moderna do destino."

Prefácio de "A Criança Atrasada E A Mãe"

"(...) a criança percebe o pensamento do adulto, advinha a dúvida sob o elogio artificial, e descobre assim uma outra forma de cativeiro sem que a sua angústia seja por isso aliviada."

"Nadja"

"Inacreditavelmente, sempre desejei encontrar à noite, num bosque, uma mulher bela e nua. Ao perder, uma vez expresso, o sentido de semelhante desejo, causa-me uma pena incrível não a ter encontrado. Bem vistas as coisas, a hipótese desse encontro não é assim tão delirante: podia ser."

terça-feira, 8 de junho de 2010

"Nadja"

"É a minha própria experiência que me interessa, é ela e seu campo - eu próprio - que constituem para mim um motivo quase permanente de meditações e devaneios."

"Recherche D'Une Première Vérité"

"É impossível suprimir o livre-arbítrio sem suprimir a ciência, pois o livre-arbítrio é a condição da certeza."

sábado, 29 de maio de 2010

"Abrir O Coração"

"A existir um eco qualquer na nossa vida, que seja um abrir do coração, e não uma aborrecida e monótona repetição do nosso narcisismo."

"Abrir O Coração"

"Vivem escravos da necessidade de disfarçarem os sentimentos. Por conseguinte, a tirania exerce-se no âmago do indivíduo, quer dizer, transforma cada um em émulo de Narciso, iludindo a sinceridade enquanto virtude básica da vida em comunidade."

"Abrir O Coração"

"À maneira de Lacan, e jogando com a homofonia, étrange (estranho) seria être-ange (ser anjo). É deste modo que a sinceridade pode ser estranha, como estranho é dizer que os príncipes e o Papa são mágicos, pois são pródigos em seduzir e persuadir os súbditos de coisas inomináveis."

sexta-feira, 28 de maio de 2010

"Essai Sur La Théorie De La Génitalité"

"Les dents sont les instruments avec lesquels le petit enfant désir se creuser un passage pour pénétrer à l'interieur de la mère."

quarta-feira, 26 de maio de 2010

"Elogio Da Sinceridade"

"Um homem sincero na corte de um príncipe é um homem livre entre escravos."

"Elogio Da Sinceridade"

"As grandes virtudes, que nascem, se ouso dizê-lo, na parte da alma mais subida e mais divina, parecem estar encadeadas umas nas outras. Que um homem tenha a força de ser sincero, e vereis uma certa coragem difundida em todo o seu carácter, uma independência geral, um império sobre si mesmo igual ao exercido sobre os outros, uma alma isenta das nuvens do temor e do terror, um amor pela virtude, um ódio pelo vício, um desprezo pelos que se lhe abandonam. De um tronco tão nobre e tão belo, não podem nascer senão ramos de ouro."

"Elogio Da Sinceridade"

"Um homem simples que não tem senão a verdade a dizer é olhado como o perturbador do prazer público. Evitam-no, porque não agrada; evita-se a verdade que anuncia, porque é amarga; evita-se a sinceridade que professa porque não dá frutos senão selvagens; temem-na porque humilha, porque revolta o orgulho que é a mais cara das paixões, porque é um pintor fiel, que faz com que nos vejamos tão disformes como somos."

"Elogio Da Sinceridade"

"A verdade permanece sepultada sob as máximas de uma falsa delicadeza. Chama-se saber viver à arte de viver com baixeza. Não se põe diferença entre conhecer o mundo e enganá-lo; e a cerimónia, que deveria ater-se inteiramente ao exterior, introduz-se nos nossos costumes mesmos."

"Elogio Da Sinceridade"

"Como assim? Viveremos para sempre nesta escravatura de disfarçarmos todos os nossos sentimentos? Será necessário louvar, necessário aprovar sem descanso? Chegará a tirania a exercer-se sobre os nossos pensamentos? Quem está no direito de exigir de nós esta espécie de idolatria? Por certo que o homem é bem fraco ao prestar semelhantes homenagens, e bem injusto ao exigi-las."

segunda-feira, 24 de maio de 2010

yom kippur

Penso. Reflicto acerca de uma frase que uma pessoa, há muito tempo me repetia, uma pessoa que deixou de ser importante. No entanto, a frase parece ter ganho importância: "Aquilo que eu não sei não me pode magoar". Sempre acreditei que a verdade das coisas, dos acontecimentos, das pessoas deveria sobrepor-se à mentira e à omissão. Como se pudéssemos assim dar qualquer coisa, boa ou má, ao outro. Mas dar e não retirar.
Hoje acordei, quase sem ter tido a possibilidade de dormir, de luto. Vesti-me de preto, mas mal saí de casa, comi mas não fiquei com energia para nada. Rememorei. Talvez a verdade não tenha espaço de existência, tal como a liberdade ou a justiça que são apenas abstracções, não tendo, na realidade, grandes implicações práticas. Quanto menos souber do outro, esse inferno sartriano, melhor será para manter, pelo menos, a ilusão de que não sou magoada e destruída pelas palavras e silêncios desse ser sempre desconhecido.
Percebo agora que as minhas verdades todas não me conduziram a parte alguma, continuo a existir no mesmo vácuo de sempre. O sentimento de retorno a isto só tem um nome: sentimento de morte. E nem sei o que isso pode querer dizer, só o sei nomear. Arrependo-me de ter sido verdadeira vezes demais. Ao menos a mentira existe efectivamente, porque é criada pelo seu autor.

domingo, 23 de maio de 2010

Colóquio "Comemorando O Mito Da Doença Mental"

"A Psicanálise é a pura essência antipsiquiátrica. O paradigma da psiquiatria é o paradigma da violência."

Colóquio "Comemorando O Mito Da Doença Mental"

"A loucura é uma guerra contra qualquer coisa."

Colóquio "Comemorando O Mito Da Doença Mental"

"A procura do tempo perdido é a construção do próprio tempo."

Colóquio "Comemorando O Mito Da Doença Mental"

"Cada um de nós é uma droga para si mesmo, ingerida em solidão."

Colóquio "Comemorando O Mito Da Doença Mental"

"O que mais poderia um artista querer se não o silêncio do crítico?"

Colóquio "Comemorando O Mito Da Doença Mental"

“O verdadeiro artista serve a dinâmica do self e não a cultura existente”.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

"Carne E Lugar"

"Não há pois mudança sem dor, pois a catástrofe anunciada pela interpretação muda o sentido da queixa, abrindo-a à indagação."

"Carne E Lugar"

"Desde aquilo que se chama as eternas viúvas, ou viúvos, aos que ficaram eternamente fiéis aos seus objectos de amor, são estas as formas de masoquismo primário. Ou seja, ser devorado pelo que partiu, batido pela ausência."

"Carne E Lugar"

"(...) um dos sintomas psicopatológicos maior do nosso tempo, a saber a toxicodependência, representa no mais elevado grau a questão sindromática pós-moderna. As drogas são na sua essência o consumo, não sendo por acaso que os toxicodependentes se chamam, nos circuitos especializados, consumidores. Curiosos consumidores da única mercadoria que não necessita de publicidade, já que ela representa na sua espectacularidade o retorno do gozo e da dor ao real, como lugar mortífero do sujeito pensante e desejante."

sexta-feira, 14 de maio de 2010

"Carne E Lugar"

"(...) o princípio de prazer apenas pode fornecer pela ilusão da fantasia aquilo que a realidade pode, pelo menos em parte, conceder. Com sofrimento é certo, penosamente é sabido, mas essa é a condição irredutível do humano, falha gloriosa a que convém não escapar."

"Des Fourmis Et Des Hommes"

"Se a inteligência é um produto da evolução da natureza, então a inteligência é a natureza que se observa a si mesma."

"Hibris In Science"

"A coisa mais dura é saber com algum detalhe a realidade da ignorância."

"Carne E Lugar"

"O fantasma de aplicação de estratégias genéticas para a resolução de problemas sociais, que arrasta consigo o risco de surgimento de um movimento eugénico, baseado no conhecimento do genoma, traz para a caneta as sombras confrangedoras de Goebbels, Albert Speer e Adolf Hitler."
"La réponse c'est le malheur de la question."
"O que mais devemos pensar no nosso tempo, e que dá que pensar, é que ainda não pensamos."

"Carne E Lugar"

"Re-pensar é mudar. Mas toda a mudança implica uma dor, uma subversão."

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Prefácio De "Carne E Lugar"

"(...) o equívoco de que Amaral dias fala é existencial: a pessoa que necessariamente amo não és tu, é a correspondência ou imagem de mim que projecto em ti, digo que te amo e amo-me a mim."

domingo, 9 de maio de 2010

"Elogio Da Sinceridade"

"Os homens olham-se de demasiado perto para se verem tal como são. Como percebem as suas virtudes e os seus vícios através somente do amor-próprio, que tudo embeleza, são sempre testemunhos infiéis e juízes corruptos de si mesmos."

segunda-feira, 19 de abril de 2010

"O Retrato"

"Num primeiro acesso de fúria, irrompeu pelo quarto dela com uma faca em punho e tê-la-ia por certo matado se não o agarrassem e o impedissem. Raivoso e frenético, virou a faca contra si mesmo e acabou os seus dias em sofrimentos horríveis."

domingo, 18 de abril de 2010

"Livro Do Desassossego"

"(...) as paisagens sonhadas são apenas formas de paisagens conhecidas e o tédio de as sonhar também é quase tão grande como o tédio de olharmos para o mundo."

"Livro Do Desassossego"

"Seja a expressão do nosso rosto um sorriso pálido, como de alguém que vai chorar, um olhar vago, como de alguém que não quer ver, um desdém esparso por todas as feições, como o de alguém que despreza a vida apenas para ter que desprezar."

"Livro Do Desassossego"

"Sou um poço de gestos que nem em mim se esboçaram todos, de palavras que nem pensei pondo curvas nos meus lábios, de sonhos que me esqueci de sonhar até ao fim."

"Livro Do Desassossego"

"É nobre ser tímido, ilustre não saber agir, grande não ter jeito para viver."

sexta-feira, 16 de abril de 2010

"Vers Une Écologie De L'Esprit"

"Temos de refrear o nosso desejo de controlar este mundo que tão mal compreendemos. Não deixemos a consciência da imperfeição do nosso saber alimentar a nossa angústia e, por conseguinte, a nossa necessidade de controlo. Inspiremos antes as nossas pesquisas num motivo antigo e, infelizmente, menosprezado nos nossos dias: a simples curiosidade por este mundo de que fazemos parte. A recompensa desta atitude não é o poder, mas sim a beleza.
Porque é bem singular o facto de todos os grandes progressos científicos (...) terem sido elegantes."

terça-feira, 13 de abril de 2010

"Livro Do Desassossego"

"A minha vida é tão triste, e eu nem penso em chorá-la; as minhas horas tão falsas, e eu nem sonho o gesto de parti-las."

"Livro Do Desassossego"

"Todo o esforço é um crime porque todo o gesto é um sonho inerte."

"Livro Do Desassossego"

"Minha alma é uma orquestra; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, timbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia."

"Livro Do Desassossego"

"Posso amar-te e também adorar-te porque o meu amor não te possui e a minha adoração não te afasta."

"Enganar A Fome"

"Outros tempos, outros costumes; ou, dito de outra maneira, os benefícios que a sociedade de classes extrai de um pesado equipamento espectacular feito de máquinas e de pessoas que pagam agora plenamente os gastos para fazer acompanhar o ersatz do seu complemento indispensável: o esvaziamento das mentes."

sábado, 10 de abril de 2010

"A Ideia De Progresso À Luz Da Psicanálise"

"É possível entrever um estado em que a produtividade não seja simultaneamente a consequência e a condição da renúncia, em que não exista trabalho alienado; um estado em que a mecanização crescente do trabalho permita a uma parte cada vez maior desta energia pulsional, até agora desviada para o trabalho alienado, seja restituída à sua forma original, por outras palavras, seja transformada de novo em energia das pulsões de vida. Então o tempo utilizado para o trabalho alienado já não seria o tempo da existência e o tempo livre à disposição do indivíduo para satisfazer as suas próprias necessidades, deixaria de ser um simples tempo residual; pelo contrário, o tempo de trabalho alienado não somente seria reduzido a um mínimo mas teria mesmo desaparecido completamente, e o tempo da existência ter-se-ia tornado o tempo livre."

"O Retrato"

"Tornou-se a tal ponto desconfiado que, para o fim, começou a suspeitar da sua própria pessoa."

"O Retrato"

"Os ataques de fúria e de loucura de Tchartkov repetiam-se com uma frequência cada vez maior e desembocaram numa gravíssima doença. Febres cruéis aliadas a uma tísica galopante apossaram-se dele tão furiosamente que, em três dias, ele se transformou numa sombra. Juntaram-se a isto os sinais de loucura incurável. Por vezes, nem várias pessoas juntando esforços conseguiam dominá-lo. Recomeçou a ter visões dos olhos vivos daquele estranho retrato havia muito esquecido e, então sim, a sua fúria tornou-se terrível.
Todas as pessoas em volta da sua cama lhe pareciam retrato terríveis. (...) O cadáver dele era assustador."

quinta-feira, 8 de abril de 2010

"A Ideia De Progresso À Luz Da Psicanálise"

"(...) o progresso não é possível senão pela transformação da energia pulsional em energia de trabalho socialmente útil; por outras palavras, o progresso não é possível senão através da sublimação. (...) A líbido, desviada dos fins pulsionais, que proporcionam originariamente prazer, mas que são socialmente inúteis e mesmo nocivos, torna-se, sob o princípio de realidade, produtividade social. Como tal, ela aperfeiçoa os meios materiais e espirituais necessários à satisfação das necessidades humanas. Mas, simultaneamente, priva esses mesmos indivíduos do pleno gozo destes bens, porque é energia pulsional repressiva e porque os indivíduos tinham já sido moldados de tal modo que não são capazes de encarar a existência senão segundo a escala de valores que nega o prazer, o repouso, a satisfação como objectivos ou então os subordina à produtividade. (...) O indivíduo priva-se do prazer que poderia tirar da produtividade e investe-se assim do potencial de uma nova produtividade, o que empurra o processo para um nível sem cessar mais elevado, simultaneamente da produção e da frustração. (...) o progresso tem de negar-se constantemente a si próprio para poder permanecer progresso. A tendência tem sem cessar de ser sacrificada à razão, à felicidade, à liberdade transcendente, para que os homens sejam mantidos no trabalho alienado pela promessa de felicidade, permaneçam produtivos e se privem do pleno gozo da sua produtividade, perpetuando assim a própria produtividade."

"A Ideia De Progresso À Luz Da Psicanálise"

"Segundo Freud, a felicidade não é, tal como a liberdade, resultado da cultura. A felicidade e a liberdade são incompatíveis com a cultura."

"A Ideia De Progresso À Luz Da Psicanálise"

"(...) a alegria, a satisfação, a paz podem é certo proporcionar felicidade, mas, em certo sentido, são inúteis para o progresso; (...) a guerra, no sentido de luta pela existência, é a mãe de todas as descobertas progressistas, que contribuem secundariamente por vezes, e com frequência muito tardiamente, para enriquecer e para satisfazer as necessidades humanas e (...) a insatisfação e o sofrimento foram o motor permanente de todo o trabalho cultural realizado até agora."

"A Ideia De Progresso À Luz Da Psicanálise"

"A razão aparece essencialmente como um princípio que justifica e impõe a renúncia e a sua função não é apenas orientar a sensibilidade, as faculdades humanas inferiores, mas também reprimi-las. Consequentemente, a liberdade é definida no interior desta ideia de progresso como liberdade ligada à repressão das pulsões, como liberdade relativamente à sensibilidade, como transcendência, para além do prazer e como autonomia dessa transcendência. A satisfação não deve nunca ser aquilo que exprime o conteúdo e o espaço da liberdade. A liberdade transcende a satisfação já atingida em direcção a algo diferente, a algo de «mais elevado». E esta transcendência, que é aqui essencial à liberdade, aparece afinal, precisamente como a produtividade de que faz parte, como um fim em si. (...) A liberdade assim definida como fim em si e estritamente distinta do prazer, torna-se liberdade sem felicidade. Aparece como um peso (...)."

"A Ideia De Progresso À Luz Da Psicanálise"

"(...) o progresso técnico parece ser a condição prévia de todo o progresso humanitário. A elevação da humanidade da escravatura e da pobreza para uma liberdade cada vez maior pressupõe o progresso técnico, isto é, um elevado grau de domínio sobre a natureza, o qual, e apenas ele, produz a riqueza social e permite assim moldar de forma mais humana as necessidades humanas e satisfazê-las mais humanamente. Contudo, por outro lado, o progresso técnico não tem como consequência o progresso humanitário."

quarta-feira, 7 de abril de 2010

"A Ideia De Progresso À Luz Da Psicanálise"

"(...) o conceito qualitativo de progresso, tal como foi elaborado particularmente na filosofia idealista e talvez da forma mais contundente por Hegel. O progresso na história consistiria então na realização da liberdade humana, da moralidade: um número cada vez maior de homens tornar-se-iam livres, e a própria consciência da liberdade incitá-los-ia a alargar o círculo da liberdade. O resultado do progresso consiste então numa humanização crescente dos homens, numa diminuição da escravatura, da arbitrariedade, da opressão, do sofrimento. Podemos designar este conceito qualitativo de progresso por ideia de progresso humanitário."
"(...) o valor da troca consome-se, o valor de uso troca-se (...)."
"Claro que nunca eu preconizei o princípio da propriedade literária. Como disse Brecht, «tudo pertence a quem o melhore»."

sábado, 3 de abril de 2010

"O Amor Em Visita"

"E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo."

"O Amor Em Visita"

"Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa (...)."

sexta-feira, 2 de abril de 2010

"Visitação"

"Partiste? Morreste? Morri? Ou nasci?"

"Visitação"

"(...) numa avalanche de lava surge o ódio. De dentro. Muito fundo. Feito de fogo ou gelo?... E ponta afiada e certeira, num golpe seco e curto, firo, mato. Nada sinto, imobilizada nesse gesto (...). Odeio. Odeio. Não há liames, nem raízes, nem história. Uma diferença abissal. Corto, cavo, mato."

"Visitação"

"Silêncio. Um murmúrio dentro de mim. O que é? Não sei. Mim vai ganhando forma através das coisas do mundo. O fumegar da água na chaleira, o conforto de uma torrada bem barrada com manteiga. Na parede, o quadro de flores, azul claro e rosa deslavado, emite um brilho especial. (...) Nem sei o que estou a contar, os meus olhos correm depressa sobre as coisas, o pensamento não pára, e eu querendo guardar tudo em mim, talvez para lá ficar ancorado mesmo com o passar monótono do pêndulo.
Estarei a falar, vai dizer-me, de ausência. Do que coloco na ausência. E de espaço. E de tempo. (...) Percorrer-encher a distância, a separação espacial (e física) dos corpos, a separação temporal (e mental)... Da ausência. E da raiva. E da paixão. Da paixão que nos une magicamente e da raiva que nos afasta inequivocamente. Porque dói. Porque dói muito. (...) Estás aí. Me ofereces partes de ti. Estás aí. E agora te vais. E eu aqui. Só e pequena (...). Estou só. E nada mais existe. Tudo o resto é mentira. Não, nunca, nunca mais quero estar contigo porque não estou ligada-colada, tu foges, me soltas a mão e o teu olhar percorre a fímbria luminosa do horizonte, contando uma a uma as árvores que aí se perfilam. Não. Nunca mais acredito em estares comigo.
Instauro a distância. (...) Porque não suporto que não sejas a continuidade de mim, o próprio mim, objecto de mim..."

"Poesia Toda"

"Ninguém sabe se as luas vistas pulsam da
pulsação
das águas, ou se as águas pulsam
pela força das luas
exaltadas. E o mundo, o espelho que as luas
acordam e de onde
transbordam as luas, sou eu que o contemplo,
é ele que me contempla,
ou trocamo-nos?"

"Visitação"

"A palavra que de mim sai e vai ali e agarra a tua palavra e arrasta uma corrente um barco uma história."

"Visitação"

"Estou cansada. Toda eu sou cinzenta, o cinzento e a tristeza se me pegaram. Estou cansada e quero ir, assim, fechar os olhos, tombar, quase sem dar por isso, como uma pena que cai, sem rumor nem dor. A morte.
Não custa nada a morte. Custa mais a vida. Os gestos quotidianos que a mantêm. A sobre-vivência, luta pela vivência. A morte. Baixinho. Sussurrada. Custa, custa menos a morte. Apenas um gesto. Um desleixo."

"Visitação"

"A noite desceu. Apenas um círculo amarelo de luz projectada no chão. Tenho medo. Sou pequena e estou sentada na cama, olho em meu redor - o quê? - o meu olhar não se fixa em nada, o que eu procuro não está - a mãe? - tenho medo, tenho medo, não choro, apesar da vaga que sobe no meu peito (...) já não sei se tenho medo (...) estou esgotada e o meu corpo tomba."

"Visitação"

"Agora, escarranchada na anca larga da avó, atravesso o pátio. Sentamo-nos à sombra dormente do telheiro. A avó conta-me histórias. E a palavra, a sua palavra, é assim uma espécie de invenção que prolonga o seu corpo, o torna magma sem forma concreta limitada no espaço e no tempo. É. A palavra é uma invenção para abraçar e envolver o meu corpo com o seu ser. E para ligar o dia com a noite e a noite com o dia. E a vida com a morte e a morte com a vida."

"Visitação"

"(...) só pode conhecer os fios que ligam, da paixão, não os fios que separam, do ódio. Laços, laços palpáveis e contínuos."

"Visitação"

"(...) existem colos? Ou tudo o que existe são não-colos, receptáculos-superfícies brilhantes como estrelas mas distantes e frios e escorregadios como o gelo, sem as pregas dum colo de carne e osso?"

"Panthea"

"O Universo em si será a nossa Imortalidade."

domingo, 28 de março de 2010

"Os Estados Depressivos"

"Uma perda temporária ou definitiva de um objecto pode provocar no indivíduo, segundo Grinberg, «o sentimento de ao mesmo tempo ter perdido algo que lhe pertence»: quanto mais um objecto possuir qualidades narcísicas, mais o luto será doloroso e penoso na medida em que perder este objecto equivale a perder uma parte do Ego. Freud apresenta esta explicação sublinhando «a ferida narcísica» e o «empobrecimento do Ego» em Luto e Melancolia."

"Os Estados Depressivos"

"O trabalho de luto é portanto um processo ao mesmo tempo normal porque lógico e patológico porque gera sofrimento. Começa pelo sobreinvestimento do objecto para acabar na desvinculação em relação a este, ficando a libido liberta do investimento no objecto perdido e podendo investir-se noutro objecto. O aparelho psíquico e a vida em geral estão de facto submetidos ao princípio da necessidade do investimento ao qual se opõe a fixação da libido num objecto que já não pode responder ao amor do sujeito."

"Panthea"

"O we are wearied of this sense of guilt,
Wearied of pleasure's paramour despair,
Wearied of every temple we have built,
Wearied of every right, unanswered prayer,
For man is weak; God sleeps: and heaven is high:
One fiery-coloured moment: one great love; and lo! we die."

("Ó, como nos cansa este peso de culpa,
Nos cansa o prazer, que ama o desespero,
Nos cansa cada templo edificado,
Nos cansa cada recta prece não escutada,
Porque é fraco o homem; Deus dorme; e o céu é alto;
Um instante cor de fogo, um grande amor, depois morremos.")

sábado, 27 de março de 2010

"O Retrato De Dorian Gray"

"Não existem livros morais ou imorais. Os livros são mal ou bem escritos. É tudo. (...) Um artista não tem simpatias éticas. Uma simpatia ética num artista é um maneirismo de estilo imperdoável. (...) Toda a arte é perfeitamente inútil."

sexta-feira, 26 de março de 2010

"Para A Introdução Ao Narcisismo"

"A relação amorosa implica portanto uma renúncia narcísica e pode, em determinadas situações, constituir uma ameaça ao narcisismo do sujeito."

segunda-feira, 22 de março de 2010

"O Magnetizador"

"A piedade é um hábito subjacente às acções piedosas e qualquer acção piedosa é uma hipocrisia, apesar de não ser cometida com a intenção de enganar o próximo, mas, antes, a de nos deleitarmos à luz dos raios brilhantes de uma auréola de ouro falso, com a ajuda da qual nos consideramos santos."

domingo, 21 de março de 2010

"O Magnetizador"

"Os dias da jovem tinham-se tornado agitados e atormentados, mas as noites eram ainda mais pavorosas. Todas as aparições funestas que a perseguiam tornavam-se ainda mais precisas e perversas. Chamava pelo seu amado com uma voz que despedaçava os corações e, soluçando incontrolavelmente, parecia querer dar o último suspiro junto do seu cadáver sangrento."

quinta-feira, 18 de março de 2010

Introdução Aos "Últimos Escritos Sobre A Filosofia Da Psicologia" de Wittgenstein

"(...) apenas o próprio pode exteriorizar o seu interior, as suas vivências, o outro pode ler o significado destas. Mas por vezes acontece que a minha crença não é por mim próprio conhecida como é conhecida por outra pessoa. Toda a terapêutica psiquiátrica ou psicanalítica que envolve paciente e terapeuta se baseia no pressuposto de que o ponto de vista externo determina a revelação de elementos do interior a que o próprio não teve acesso. (...) não põe em causa o facto de existirem critérios de evidência ou de incerteza, quer para uma pessoa (a que fala na primeira pessoa), que para outra, que observa ou descreve a primeira."

segunda-feira, 15 de março de 2010

"O Magnetizador"

"Pobre criança, conhece o teu senhor e mestre! Para quê defender-te e espernear sob este jugo de que, em vão, te tentas livrar? Sou o teu deus, que te conhece até ao mais profundo do teu ser e tudo quanto escondeste ou tentas esconder está diante dos meus olhos. Mas para que não te atrevas a duvidar do meu poder absoluto sobre ti, oh miserável verme, vou penetrar no santuário dos teus pensamentos e assim os teus sentidos poderão apreender-me totalmente."

"O Magnetizador"

"(...) todos os sonhos que eu considero importantes, porque o acaso quis que tivessem uma certa influência sobre a minha vida (na realidade chamo acaso a uma certa coincidência entre as circunstâncias que, em si mesmo, nada teriam de comum, mas que, nesse determinado momento, se manifestam sob uma forma totalmente homogénea), todos esses sonhos, digo eu, eram desagradáveis e mesmo dolorosos, de tal maneira que faziam com que eu adoecesse frequentemente, apesar de me abster de os recordar, porque naquela época ainda não era moda tentar saber tudo aquilo que a natureza, na sua infinita sabedoria, nos procura ocultar."

"O Magnetizador"

"Os sonhos são ilusão: são mera espuma (...)."

sábado, 13 de março de 2010

"Avenida Névski"

"Quatro dias se passarem e o quarto fechado nenhuma vez se abriu; ao cabo de uma semana, o quarto continuava fechado. Chamaram por ele à porta, mas não houve resposta; por fim, arrombaram-na e encontraram o seu cadáver com a garganta cortada. A lâmina ensanguentada estava no chão. Pelos braços convulsamente abertos e pela cara terrivelmente desfigurada podia concluir-se que a sua mão não fora certeira e que sofreu ainda muito antes de a sua alma pecadora lhe abandonar o corpo."

"Avenida Névski"

"Os sonhos acabaram por se tornar a vida dele e, desde então, a sua existência tomou um rumo estranho; pode dizer-se que dormia acordado e estava de vigília no sono. Se alguém o visse sentado em silêncio diante da mesa vazia, ou a andar pela rua, decerto o tomaria por um sonâmbulo, ou por um indivíduo destruído pelas bebidas fortes; o seu olhar estava privado de sentido, a sua distracção natural ampliou-se e, autoritariamente, expulsava da cara todos os sentimentos e movimentos. Apenas se animava com a chegada da noite."

"Avenida Névski"

"A mulher descerrou os lábios bonitos e falou, mas era tudo tão estúpido, tão ordinário... Era como se o intelecto abandonasse o ser humano juntamente com a castidade."

"Avenida Névski"

"Meu Deus, onde ele viera cair! No primeiro momento nem quis acreditar e pôs-se a observar com mais atenção os objectos que enchiam a sala; mas as paredes nuas e a ausência de cortinas não revelavam qualquer presença de uma dona de casa zelosa; as caras gastas destas criaturas miseráveis, uma das quais se sentou quase debaixo do seu nariz e o estudava com a mesma clama com que se observa uma nódoa num vestido alheio - tudo isso lhe deu a certeza de que entrara no cóio abominável onde se abrigava a depravação abjecta, fruto da civilização de ouropel e da terrível sobrepovoação da capital. Este abrigo, onde o homem cometia o sacrilégio de esmagar e escarnecer de tudo quanto é puro e sagrado, o que torna a vida bela; onde a mulher, essa beleza do mundo, esse cúmulo da criação, se transformava numa criatura estranha e ambígua e, juntamente com a pureza da alma, perdia a sua feminilidade e adoptava, repugnantemente, os modos e os descaramentos masculinos, deixando de ser aquela criatura frágil, bela e tão diferente de nós."

sábado, 6 de março de 2010

"O Dom"

"Adeus, meu livro! Tal como os olhos mortais, os imaginados devem cerrar-se um dia. Onegin, de joelhos, levantar-se-á, mas o seu criador afasta-se para longe. E contudo o ouvido não pode separar-se aqui mesmo da música e deixar que o conto se desvaneça; os acordes do próprio destino continuam a vibrar; e para o homem sábio não existe obstrução onde eu escrevi Fim: as sombras do meu mundo estendem-se para lá do horizonte da página, azul como as brumas de amanhã, e nem isto termina a frase."

"O Dom"

"Será esta noite que vai acontecer? Acontecerá realmente agora? O peso e a ameaça da felicidade. Quando caminho contigo como agora, tão lentamente, e te seguro pelo ombro, tudo vacila ligeiramente, e a minha cabeça zumbe, e apetece-me arrastar os pés (...)."

"O Dom"

"- Tudo isso é maravilhoso - disse Zina. - Agrada-me tremendamente. Penso que vais ser um escritor como nunca houve e que a Rússia te vai cair aos pés, quando voltar a si tarde demais... Mas tu amas-me?
- O que estou a dizer é uma espécie de declaração de amor - respondeu Fedor.
- «Uma espécie de» não chega. Sabes, acontecer-me-á sem dúvida às vezes ser terrivelmente infeliz contigo. Mas no conjunto isso não interessa, estou pronta para enfrentar tudo."

"O Dom"

"O verdadeiro escritor deve ignorar todos os leitores menos um, o do futuro, que por sua vez é meramente o autor reflectido no tempo."

"O Dom"

"Quando era pequeno, antes de dormir costumava rezar uma longa e obscura oração que a minha falecida mãe, mulher piedosa e muito infeliz, me ensinara (ela, evidentemente, teria dito que estas duas coisas são incompatíveis, mas apesar de tudo é verdade que a felicidade não toma o véu). Lembrei-me dessa oração e continuei a dizê-la durante anos, quase até à adolescência, mas assim que compreendi tudo esqueci-a imediatamente, como se tivesse quebrado um amuleto sem concerto possível. Parece-me que o mesmo poderia acontecer aos meus poemas, que se tentar racionalizá-los perderei imediatamente a capacidade de os escrever. (...) O encanto da Musa reside na pobreza dela própria."

sexta-feira, 5 de março de 2010

"O Dom"

"Observando de perto, pouco importa quão de perto, os acontecimentos da natureza, devemos, no próprio processo da observação, ter o cuidado de não deixar que a razão - esse dragomano loquaz que vai sempre à nossa frente - nos sugira explicações que começam então imperceptivelmente a influenciar o próprio curso da observação e a distorcê-lo: assim cai a sombra do instrumento sobre a verdade."

quinta-feira, 4 de março de 2010

"O Dom"

"Como é difícil virar os pensamentos: são como troncos. Sinto-me demasiado doente para morrer."

quarta-feira, 3 de março de 2010

"Por Que Escrevo Tão Bons Livros"

"Em última instância, ninguém pode extrair das coisas (livros incluídos) mais do que aquilo que já sabe. Não se tem ouvidos para aquilo a que não se tem acesso por experiência."

terça-feira, 2 de março de 2010

"O Jogador"

"Fique sabendo, também, que é perigoso passearmos juntos; assalta-me, muitas vezes, um desejo irreprimível de lhe bater, de a desfigurar, de a estrangular. Pensa que as coisas não hão-de chegar a esse ponto? Põe-me fora de mim. Julga que teria medo do escândalo? Do seu ódio? Dou ao desprezo o seu ódio! Amo-a sem esperança e sei que depois disso a amarei mil vezes mais. Se a matar, um dia, terei de matar-me também."

"O Jogador"

"Sabe que um dia hei-de matá-la? Não por ciúme, não por deixar de a amar; não, hei-de matá-la só porque há dias em que me apetece devorá-la."

"O Jogador"

"Ignoro por que a amo e como a amo. Sabe, talvez não seja mesmo nada bela. Imagine que nem sei se é bela ou não, até de rosto. O seu coração é mau, com certeza, e os meus sentimentos não são muito nobres."

domingo, 28 de fevereiro de 2010

"Salmo"

"Ninguém nos moldará de novo em terra e barro,
ninguém animará pela palavra o nosso pó.
Ninguém.

Louvado sejas, Ninguém.
Por amor de ti queremos
florir.
Em direcção
a ti.

Um Nada
fomos, somos, continuaremos
a ser, florescendo:
a rosa do Nada, a
de Ninguém.

Com
o estilete claro-de-alma,
o estame ermo-do-céu,
a corola vermelha
da purpúrea palavra que cantámos
sobre, oh sobre
o espinho."

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

"O Jogador"

"(...) nestes últimos tempos, tenho experimentado verdadeira repugnância em conciliar os meus pensamentos e os meus actos com qualquer critério moral. Sinto-me arrastado noutra direcção..."

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

"Loucura..."

"A vida faz doer. E a morte?"

"Loucura..."

"Para morrer só, falta-me a coragem... tenho medo..."

"Loucura..."

"Tu não podes avaliar o tamanho do meu suplício... Não podes... A tua alma não compreende a minha... nem a tua, nem a de ninguém. Tenho horror à vida... meu amigo, tenho horror à vida... Tenho horror à morte; menos horror talvez... mais horror... ignoro... Não posso viver, não posso viver... Não quero morrer... não quero morrer... É horrível... horrível... Que ando a fazer neste mundo? O mesmo que as outras pessoas, bem sei... Ah! mas é justamente isso que me aterra, que me horroriza... Vivo como todos, à espera da velhice, percebes? À espera da morte, compreendes?"

"Loucura..."

"(...) ainda anteontem me perguntou (...) se eu me queria suicidar com ele nessa mesma noite, morrer feliz nos seus braços!... «Brincas - murmurei - mas com essas coisas não se brinca...» - Pelo contrário, falo muito a sério» - retorquiu. E era tão dura a expressão do seu rosto, tão desabitual o brilho dos seus olhos; que o sorriso me expirou nos lábios. (...) Ele acrescentou: - «Não queres... não me compreendes... És como toda a gente... Tens amor à vida... Lastimo-te... Não serei eu que te obrigarei a mudar de ideias. Pelo meu lado - juro-te - não estou disposto a sacrificar a ninguém - nem mesmo a ti - a liberdade do meu pensamento, das minhas acções.» Em seguida calou-se."

"Loucura..."

"- Falaste verdade? Aborreceste-te nesse baile?...
- Aborreci. Eu aborreço-me sempre em todos...
- Então para que vais a essas estúpidas reuniões?
- Por causa do meu ofício. Preciso observar. Aborreço-me por amor da literatura...
- Ah! - tornou Raúl, voltando à sua ideia fixa - gostava tanto de me aborrecer... Era tempo que roubava ao Tempo..."

"Loucura..."

"A escultura faz corpos: eu faço corpos. A literatura faz almas: tu fazes almas. Se pudéssemos conjugar as nossas duas artes faríamos vida. Felizmente é impossível..."