quinta-feira, 11 de novembro de 2010

"As Cidades Invisíveis"

"Entrando no território de Eutrópia por capital, o viajante vê não uma cidade mas muitas, de igual grandeza e não diferentes umas das outras, espalhadas por um vasto e ondulado planalto. Eutrópia é não uma mas sim todas estas cidades juntas; uma só é habitada, as outras estão vazias; e isto faz-se por rotação. Vou contar como. No dia em que os habitantes de Eutrópia se sentem atacados pelo cansaço, e já ninguém suporta o seu ofício, os parentes, a casa e a rua, as dívidas, a gente que deve cumprimentar ou que o cumprimenta, então todos os cidadãos decidem transferir-se para a cidade vizinha que está ali à espera, vazia e como nova, onde cada um tomará outro ofício, outra mulher, verá outra paisagem ao abrir a janela, passará as noites com outros passatempos amizades maledicências. Assim a sua vida renova-se de mudança, entre cidades que devido à exposição ou ao declive ou aos cursos de água ou aos ventos se apresenta cada uma com qualquer diferença das outras. Sendo a sua sociedade ordenada sem grandes diferenças de riqueza ou de autoridade, as passagens de uma função para outra dão-se quase sem abalos; a variedade é assegurada pelas múltiplas incumbências, de tal modo que no espaço de uma vida raramente se regressa a um ofício que já tenha sido o seu.
Assim a cidade repete a sua vida sempre igual deslocando-se para baixo e para cima sobre o seu tabuleiro de xadrez vazio. Os habitantes voltam a representar as mesmas cenas com actores mudados; tornam a dizer as mesmas frases com entoações diversamente combinadas: abrem bocas alternadas em iguais bocejos. Sozinha entre todas as cidades do império, Eutrópia permanece idêntica a si própria. Mercúrio, deus dos volúveis, ao qual é consagrada a cidade, fez este ambíguo milagre."

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