sexta-feira, 2 de abril de 2010

"Visitação"

"Silêncio. Um murmúrio dentro de mim. O que é? Não sei. Mim vai ganhando forma através das coisas do mundo. O fumegar da água na chaleira, o conforto de uma torrada bem barrada com manteiga. Na parede, o quadro de flores, azul claro e rosa deslavado, emite um brilho especial. (...) Nem sei o que estou a contar, os meus olhos correm depressa sobre as coisas, o pensamento não pára, e eu querendo guardar tudo em mim, talvez para lá ficar ancorado mesmo com o passar monótono do pêndulo.
Estarei a falar, vai dizer-me, de ausência. Do que coloco na ausência. E de espaço. E de tempo. (...) Percorrer-encher a distância, a separação espacial (e física) dos corpos, a separação temporal (e mental)... Da ausência. E da raiva. E da paixão. Da paixão que nos une magicamente e da raiva que nos afasta inequivocamente. Porque dói. Porque dói muito. (...) Estás aí. Me ofereces partes de ti. Estás aí. E agora te vais. E eu aqui. Só e pequena (...). Estou só. E nada mais existe. Tudo o resto é mentira. Não, nunca, nunca mais quero estar contigo porque não estou ligada-colada, tu foges, me soltas a mão e o teu olhar percorre a fímbria luminosa do horizonte, contando uma a uma as árvores que aí se perfilam. Não. Nunca mais acredito em estares comigo.
Instauro a distância. (...) Porque não suporto que não sejas a continuidade de mim, o próprio mim, objecto de mim..."

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