segunda-feira, 19 de abril de 2010

"O Retrato"

"Num primeiro acesso de fúria, irrompeu pelo quarto dela com uma faca em punho e tê-la-ia por certo matado se não o agarrassem e o impedissem. Raivoso e frenético, virou a faca contra si mesmo e acabou os seus dias em sofrimentos horríveis."

domingo, 18 de abril de 2010

"Livro Do Desassossego"

"(...) as paisagens sonhadas são apenas formas de paisagens conhecidas e o tédio de as sonhar também é quase tão grande como o tédio de olharmos para o mundo."

"Livro Do Desassossego"

"Seja a expressão do nosso rosto um sorriso pálido, como de alguém que vai chorar, um olhar vago, como de alguém que não quer ver, um desdém esparso por todas as feições, como o de alguém que despreza a vida apenas para ter que desprezar."

"Livro Do Desassossego"

"Sou um poço de gestos que nem em mim se esboçaram todos, de palavras que nem pensei pondo curvas nos meus lábios, de sonhos que me esqueci de sonhar até ao fim."

"Livro Do Desassossego"

"É nobre ser tímido, ilustre não saber agir, grande não ter jeito para viver."

sexta-feira, 16 de abril de 2010

"Vers Une Écologie De L'Esprit"

"Temos de refrear o nosso desejo de controlar este mundo que tão mal compreendemos. Não deixemos a consciência da imperfeição do nosso saber alimentar a nossa angústia e, por conseguinte, a nossa necessidade de controlo. Inspiremos antes as nossas pesquisas num motivo antigo e, infelizmente, menosprezado nos nossos dias: a simples curiosidade por este mundo de que fazemos parte. A recompensa desta atitude não é o poder, mas sim a beleza.
Porque é bem singular o facto de todos os grandes progressos científicos (...) terem sido elegantes."

terça-feira, 13 de abril de 2010

"Livro Do Desassossego"

"A minha vida é tão triste, e eu nem penso em chorá-la; as minhas horas tão falsas, e eu nem sonho o gesto de parti-las."

"Livro Do Desassossego"

"Todo o esforço é um crime porque todo o gesto é um sonho inerte."

"Livro Do Desassossego"

"Minha alma é uma orquestra; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, timbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia."

"Livro Do Desassossego"

"Posso amar-te e também adorar-te porque o meu amor não te possui e a minha adoração não te afasta."

"Enganar A Fome"

"Outros tempos, outros costumes; ou, dito de outra maneira, os benefícios que a sociedade de classes extrai de um pesado equipamento espectacular feito de máquinas e de pessoas que pagam agora plenamente os gastos para fazer acompanhar o ersatz do seu complemento indispensável: o esvaziamento das mentes."

sábado, 10 de abril de 2010

"A Ideia De Progresso À Luz Da Psicanálise"

"É possível entrever um estado em que a produtividade não seja simultaneamente a consequência e a condição da renúncia, em que não exista trabalho alienado; um estado em que a mecanização crescente do trabalho permita a uma parte cada vez maior desta energia pulsional, até agora desviada para o trabalho alienado, seja restituída à sua forma original, por outras palavras, seja transformada de novo em energia das pulsões de vida. Então o tempo utilizado para o trabalho alienado já não seria o tempo da existência e o tempo livre à disposição do indivíduo para satisfazer as suas próprias necessidades, deixaria de ser um simples tempo residual; pelo contrário, o tempo de trabalho alienado não somente seria reduzido a um mínimo mas teria mesmo desaparecido completamente, e o tempo da existência ter-se-ia tornado o tempo livre."

"O Retrato"

"Tornou-se a tal ponto desconfiado que, para o fim, começou a suspeitar da sua própria pessoa."

"O Retrato"

"Os ataques de fúria e de loucura de Tchartkov repetiam-se com uma frequência cada vez maior e desembocaram numa gravíssima doença. Febres cruéis aliadas a uma tísica galopante apossaram-se dele tão furiosamente que, em três dias, ele se transformou numa sombra. Juntaram-se a isto os sinais de loucura incurável. Por vezes, nem várias pessoas juntando esforços conseguiam dominá-lo. Recomeçou a ter visões dos olhos vivos daquele estranho retrato havia muito esquecido e, então sim, a sua fúria tornou-se terrível.
Todas as pessoas em volta da sua cama lhe pareciam retrato terríveis. (...) O cadáver dele era assustador."

quinta-feira, 8 de abril de 2010

"A Ideia De Progresso À Luz Da Psicanálise"

"(...) o progresso não é possível senão pela transformação da energia pulsional em energia de trabalho socialmente útil; por outras palavras, o progresso não é possível senão através da sublimação. (...) A líbido, desviada dos fins pulsionais, que proporcionam originariamente prazer, mas que são socialmente inúteis e mesmo nocivos, torna-se, sob o princípio de realidade, produtividade social. Como tal, ela aperfeiçoa os meios materiais e espirituais necessários à satisfação das necessidades humanas. Mas, simultaneamente, priva esses mesmos indivíduos do pleno gozo destes bens, porque é energia pulsional repressiva e porque os indivíduos tinham já sido moldados de tal modo que não são capazes de encarar a existência senão segundo a escala de valores que nega o prazer, o repouso, a satisfação como objectivos ou então os subordina à produtividade. (...) O indivíduo priva-se do prazer que poderia tirar da produtividade e investe-se assim do potencial de uma nova produtividade, o que empurra o processo para um nível sem cessar mais elevado, simultaneamente da produção e da frustração. (...) o progresso tem de negar-se constantemente a si próprio para poder permanecer progresso. A tendência tem sem cessar de ser sacrificada à razão, à felicidade, à liberdade transcendente, para que os homens sejam mantidos no trabalho alienado pela promessa de felicidade, permaneçam produtivos e se privem do pleno gozo da sua produtividade, perpetuando assim a própria produtividade."

"A Ideia De Progresso À Luz Da Psicanálise"

"Segundo Freud, a felicidade não é, tal como a liberdade, resultado da cultura. A felicidade e a liberdade são incompatíveis com a cultura."

"A Ideia De Progresso À Luz Da Psicanálise"

"(...) a alegria, a satisfação, a paz podem é certo proporcionar felicidade, mas, em certo sentido, são inúteis para o progresso; (...) a guerra, no sentido de luta pela existência, é a mãe de todas as descobertas progressistas, que contribuem secundariamente por vezes, e com frequência muito tardiamente, para enriquecer e para satisfazer as necessidades humanas e (...) a insatisfação e o sofrimento foram o motor permanente de todo o trabalho cultural realizado até agora."

"A Ideia De Progresso À Luz Da Psicanálise"

"A razão aparece essencialmente como um princípio que justifica e impõe a renúncia e a sua função não é apenas orientar a sensibilidade, as faculdades humanas inferiores, mas também reprimi-las. Consequentemente, a liberdade é definida no interior desta ideia de progresso como liberdade ligada à repressão das pulsões, como liberdade relativamente à sensibilidade, como transcendência, para além do prazer e como autonomia dessa transcendência. A satisfação não deve nunca ser aquilo que exprime o conteúdo e o espaço da liberdade. A liberdade transcende a satisfação já atingida em direcção a algo diferente, a algo de «mais elevado». E esta transcendência, que é aqui essencial à liberdade, aparece afinal, precisamente como a produtividade de que faz parte, como um fim em si. (...) A liberdade assim definida como fim em si e estritamente distinta do prazer, torna-se liberdade sem felicidade. Aparece como um peso (...)."

"A Ideia De Progresso À Luz Da Psicanálise"

"(...) o progresso técnico parece ser a condição prévia de todo o progresso humanitário. A elevação da humanidade da escravatura e da pobreza para uma liberdade cada vez maior pressupõe o progresso técnico, isto é, um elevado grau de domínio sobre a natureza, o qual, e apenas ele, produz a riqueza social e permite assim moldar de forma mais humana as necessidades humanas e satisfazê-las mais humanamente. Contudo, por outro lado, o progresso técnico não tem como consequência o progresso humanitário."

quarta-feira, 7 de abril de 2010

"A Ideia De Progresso À Luz Da Psicanálise"

"(...) o conceito qualitativo de progresso, tal como foi elaborado particularmente na filosofia idealista e talvez da forma mais contundente por Hegel. O progresso na história consistiria então na realização da liberdade humana, da moralidade: um número cada vez maior de homens tornar-se-iam livres, e a própria consciência da liberdade incitá-los-ia a alargar o círculo da liberdade. O resultado do progresso consiste então numa humanização crescente dos homens, numa diminuição da escravatura, da arbitrariedade, da opressão, do sofrimento. Podemos designar este conceito qualitativo de progresso por ideia de progresso humanitário."
"(...) o valor da troca consome-se, o valor de uso troca-se (...)."
"Claro que nunca eu preconizei o princípio da propriedade literária. Como disse Brecht, «tudo pertence a quem o melhore»."

sábado, 3 de abril de 2010

"O Amor Em Visita"

"E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo."

"O Amor Em Visita"

"Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa (...)."

sexta-feira, 2 de abril de 2010

"Visitação"

"Partiste? Morreste? Morri? Ou nasci?"

"Visitação"

"(...) numa avalanche de lava surge o ódio. De dentro. Muito fundo. Feito de fogo ou gelo?... E ponta afiada e certeira, num golpe seco e curto, firo, mato. Nada sinto, imobilizada nesse gesto (...). Odeio. Odeio. Não há liames, nem raízes, nem história. Uma diferença abissal. Corto, cavo, mato."

"Visitação"

"Silêncio. Um murmúrio dentro de mim. O que é? Não sei. Mim vai ganhando forma através das coisas do mundo. O fumegar da água na chaleira, o conforto de uma torrada bem barrada com manteiga. Na parede, o quadro de flores, azul claro e rosa deslavado, emite um brilho especial. (...) Nem sei o que estou a contar, os meus olhos correm depressa sobre as coisas, o pensamento não pára, e eu querendo guardar tudo em mim, talvez para lá ficar ancorado mesmo com o passar monótono do pêndulo.
Estarei a falar, vai dizer-me, de ausência. Do que coloco na ausência. E de espaço. E de tempo. (...) Percorrer-encher a distância, a separação espacial (e física) dos corpos, a separação temporal (e mental)... Da ausência. E da raiva. E da paixão. Da paixão que nos une magicamente e da raiva que nos afasta inequivocamente. Porque dói. Porque dói muito. (...) Estás aí. Me ofereces partes de ti. Estás aí. E agora te vais. E eu aqui. Só e pequena (...). Estou só. E nada mais existe. Tudo o resto é mentira. Não, nunca, nunca mais quero estar contigo porque não estou ligada-colada, tu foges, me soltas a mão e o teu olhar percorre a fímbria luminosa do horizonte, contando uma a uma as árvores que aí se perfilam. Não. Nunca mais acredito em estares comigo.
Instauro a distância. (...) Porque não suporto que não sejas a continuidade de mim, o próprio mim, objecto de mim..."

"Poesia Toda"

"Ninguém sabe se as luas vistas pulsam da
pulsação
das águas, ou se as águas pulsam
pela força das luas
exaltadas. E o mundo, o espelho que as luas
acordam e de onde
transbordam as luas, sou eu que o contemplo,
é ele que me contempla,
ou trocamo-nos?"

"Visitação"

"A palavra que de mim sai e vai ali e agarra a tua palavra e arrasta uma corrente um barco uma história."

"Visitação"

"Estou cansada. Toda eu sou cinzenta, o cinzento e a tristeza se me pegaram. Estou cansada e quero ir, assim, fechar os olhos, tombar, quase sem dar por isso, como uma pena que cai, sem rumor nem dor. A morte.
Não custa nada a morte. Custa mais a vida. Os gestos quotidianos que a mantêm. A sobre-vivência, luta pela vivência. A morte. Baixinho. Sussurrada. Custa, custa menos a morte. Apenas um gesto. Um desleixo."

"Visitação"

"A noite desceu. Apenas um círculo amarelo de luz projectada no chão. Tenho medo. Sou pequena e estou sentada na cama, olho em meu redor - o quê? - o meu olhar não se fixa em nada, o que eu procuro não está - a mãe? - tenho medo, tenho medo, não choro, apesar da vaga que sobe no meu peito (...) já não sei se tenho medo (...) estou esgotada e o meu corpo tomba."

"Visitação"

"Agora, escarranchada na anca larga da avó, atravesso o pátio. Sentamo-nos à sombra dormente do telheiro. A avó conta-me histórias. E a palavra, a sua palavra, é assim uma espécie de invenção que prolonga o seu corpo, o torna magma sem forma concreta limitada no espaço e no tempo. É. A palavra é uma invenção para abraçar e envolver o meu corpo com o seu ser. E para ligar o dia com a noite e a noite com o dia. E a vida com a morte e a morte com a vida."

"Visitação"

"(...) só pode conhecer os fios que ligam, da paixão, não os fios que separam, do ódio. Laços, laços palpáveis e contínuos."

"Visitação"

"(...) existem colos? Ou tudo o que existe são não-colos, receptáculos-superfícies brilhantes como estrelas mas distantes e frios e escorregadios como o gelo, sem as pregas dum colo de carne e osso?"

"Panthea"

"O Universo em si será a nossa Imortalidade."