terça-feira, 29 de dezembro de 2009

"Noites Brancas"

"Que triste ficar sozinho, completamente sozinho, sem ter sequer o que lamentar - nada, absolutamente nada... porque todo o perdido era nada, um zero estúpido, nada mais que uma ilusão!"

"Noites Brancas"

"E lembro-me que também nessa altura os meus sonhos eram tristes e, embora antes não fosse melhor do que agora, sinto que era mais fácil e sereno viver, que não havia este pensamento negro que agora se apossou de mim; que não havia estes remorsos, sombrios, tenebrosos, que agora me tiram o sossego de dia e de noite. E pergunto-me: onde estão os meus sonhos?"

"Noites Brancas"

"(...) porque nós amadurecemos, ultrapassamos os nossos velhos ideais: os ideais desmoronam-se, reduzidos a destroços, a pó; ora, se não houver outra vida, será preciso construí-la desses destroços."

"Noites Brancas"

"E não pense que exagerei ao contar-lhe a minha vida, por amor de Deus não o pense, Nástenka, porque é verdade que às vezes tenho momentos de uma amargura insuportável, insuportável... Nesses momentos ponho-me a imaginar que nunca serei capaz de começar a ter uma vida verdadeira, porque são momentos em que perco o tacto e o olfacto do verdadeiro, do real; porque chego a amaldiçoar-me a mim próprio; porque, depois das minhas noites fantásticas, vêm os horríveis minutos do desembriagamento! Entretanto, ouço como marulha e gira no turbilhão da vida a multidão humana, ouço, vejo como vivem as pessoas - vivem na realidade; vejo que para elas a vida não é proibida, que a vida delas não se vai desvanecer como um sonho, como uma visão, que a vida delas é eternamente renovada, sempre jovem, e nenhuma hora da vida delas se parece com outra hora; ao passo que é tristonha e monótona até à vulgaridade a tímida fantasia, escrava da sombra, escrava da ideia, escrava de uma qualquer nuvem tapando subitamente o sol e apertando de mágoa o coração (...)."

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

"Noites Brancas"

"Um novo sonho - uma nova felicidade! Uma nova dose de requintado, voluptuoso veneno! Oh, bem lhe interessa a nossa vida real! Para o seu olhar cativado, Nástenka, pessoas como nós vivem de modo preguiçoso, vagaroso, mole; para ele, andamos todos descontentes como o nosso destino, sentimos muito tédio na nossa vida! Mas também, olhe só, à primeira vista tudo entre nós é de facto escuro, frio, como que zangado... «Coitados!» - pensa o meu sonhador. Não admira que pense assim! Olhe para esses fantasmas mágicos que, de modo tão divino, tão caprichoso, tão vasto, tão infinito, formam diante dele um quadro milagroso e cheio de vida, onde em primeiro plano, como personagem principal, está sem dúvida ele mesmo, o nosso sonhador, na sua própria e querida pessoa."

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

"Noites Brancas"

"No quarto, escurece; na sua alma há um vazio e uma tristeza; todo um reino de devaneios se desmorona à sua volta, rui sem estrépito e sem deixar vestígios, passa como um sonho, um sonho cujo conteúdo esqueceu. Porém, uma sensação obscura, uma dor surda a levantar-se no seu peito, um novo desejo, já lhe tilinta e excita sedutoramente a fantasia, um imperceptível apelo a toda uma chusma de novos fantasmas. No pequeno quarto reina o silêncio; o retiro solitário e a preguiça afagam a imaginação, que começa a inflamar-se, a fervilhar levemente (...)."

"Noites Brancas"

"O sonhador, caso a Nástenka precise de uma definição pormenorizada, não é uma pessoa, mas uma criatura intermédia, se quiser. Instala-se, na maioria dos casos, nalgum recanto inacessível, como se até da luz do dia se escondesse, e, logo que se mete no seu recanto, fica colado a ele como um caracol, ou, pelo menos, fica muito parecido a esse bicho engraçado que é animal e casa ao mesmo tempo e que se chama tartaruga."

"Noites Brancas"

"- Oiça, quer mesmo saber quem sou?
- Quero, quero!
- No sentido lato da palavra?
- No sentido mais lato possível!
- Aqui tem, sou um tipo.
- Um tipo, um tipo! Mas que tipo? (...) Em primeiro lugar, o que quer dizer «tipo»?
- Tipo? Bem, um tipo é um original, é um sujeito esquisito! - respondi, começando também a rir-me, acompanhando o riso infantil dela. - É uma espécie de carácter. Oiça, sabe o que é um sonhador?"

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

"O Dom"

"E como muitas vezes lhe acontecia, embora desta vez fosse mais profundo do que anteriormente, Fedor sentiu de repente - nesta escuridão transparente - a estranheza da vida, a estranheza da sua magia, como se um canto da vida tivesse sido voltado e ele tivesse entrevisto o debrum insólito."

"O Dom"

"Se, naqueles dias, tivesse de responder perante um tribunal situado para lá dos sentidos humanos (lembrem-se de como Goethe dizia, apontando com a bengala para o céu estrelado: «Ali está a minha consciência»!) dificilmente poderia decidir-se a dizer que a amava, pois havia muito que se apercebera de que era incapaz de dar toda a sua alma a alguém ou a alguma coisa: o seu capital de trabalho era-lhe demasiado necessário para os seus próprios assuntos pessoais, mas por outro lado, quando olhava para ela, ascendia imediatamente (para voltar a cair alguns momentos depois) a cumes de ternura, de paixão e de piedade que poucos amores atingem."

"O Dom"

"Oh jura-me que serás fiel ao sonho, e que só acreditarás na fantasia, e que nunca deixarás a tua alma enferrujar na prisão, nem que estenderás um braço para dizer: uma parede de pedra."

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

"Noites Brancas"

"- (...) Pode não acreditar, mas... nenhuma mulher, nunca, nunca! Nenhum conhecimento! Limito-me a sonhar, dia após dia, que encontro finalmente alguém. Ah, se soubesse quantas vezes já estive apaixonado desta maneira!...
- Mas, apaixonado por quem?...
- Por ninguém, por um ideal, por uma qualquer que me apareça nos sonhos. Nos meus devaneios eu crio verdadeiras histórias de amor. Oh, não me conhece! Para falar verdade, é natural que tenha conhecido duas ou três mulheres, mas... pode-se-lhes verdadeiramente chamar mulheres? Não, umas comadres..."

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

"Noites Brancas"

"Comecei a ter medo de ficar sozinho e durante três dias vagueei pela cidade cheio de uma aflição profunda, sem perceber nada do que se estava a passar comigo. (...) não via nenhuma das pessoas a que estava habituado a ver nos mesmos sítios às mesmas horas durante todo o ano. Claro que essas pessoas não me conhecem, mas eu sim. Conheço-as intimamente; quase lhes decorei as fisionomias - e regozijo-me quando estão alegres, angustio-me quando as vejo tristes."

"Noites Brancas"

"Desde manhã que uma mágoa esquisita me começou a atormentar. De tão solitário que sou, parece que toda a gente me abandona e renega."

domingo, 13 de dezembro de 2009

"O Dom"

"Considerar-se medíocre era quase melhor do que acreditar que era um génio: Fedor duvidava da primeira hipótese e concedia a segunda, mas mais importante do que isso, lutava por não se render ao desespero infernal da página em branco. Porque havia coisas que queria exprimir tão natural e livremente como os pulmões querem expandir-se, resultava daí que deviam existir palavras convenientes para a respiração. Os lamentos dos poetas tantas vezes repetidos de que, infelizmente, não há palavras disponíveis, que as palavras são cadáveres lívidos, que as palavras são incapazes de exprimir os nossos sentimentos erraticamente indefinidos (e para o provar libertam uma torrente de hexâmetros trocaicos) pareciam-lhe tão desprovidos de sentido como a convicção assente do mais idoso habitante duma cabana de montanha de que essa montanha nunca foi escalada por ninguém nem nunca o será; numa bela manhã fria, aparece um inglês grande e esgalgado, e trepa alegremente até ao cume."

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

"Poética"

"(...) tenho tentado transmitir-vos a minha concepção do que é o Princípio Poético. Tem sido minha intenção sugerir que, enquanto este Princípio em si é, estrita e simplesmente, a Aspiração Humana à Beleza Supernatural, a manifestação do Princípio é sempre encontrada numa excitação que eleva a alma - bastante independente dessa paixão que é o embriagamento do coração - ou dessa Verdade que é a satisfação da Razão. Porque, no que respeita à Paixão, infelizmente a sua tendência é mais para degradar do que para elevar a alma. O Amor, pelo contrário, - o amor, o verdadeiro, o divino Eros - o Uraniano, como distinto do Dioneano de Vénus - é sem dúvida o mais puro e verdadeiro de todos os temas poéticos."

"Bridge Of Sighs"

"The bleak wind of March
Made her tremble and shiver,
But not the dark arch,
Or the black flowing river:

Mad from life's history,
Glad to death's mystery,
Swift to be hurl'd-
Anywhere, anywhere
Out of the world!"

("O vento gelado de Março
Fê-la tremer e arrepiar-se
Mas não a arcada escura
Nem o rio correndo negro:

Louca com as histórias da vida
Feliz pelos mistérios da morte
Rápida a ser lançada
A qualquer lugar, qualquer lugar
Fora do mundo!")

"O Dom"

"(...) e a sombra duma água desliza sobre os penhascos; por cima das nossas cabeças, uma paz, um silêncio, uma transparência perfeitas... e penso mais uma vez no que pensa o meu pai quando não está ocupado na caça de borboletas e está ali, imóvel... aparecendo por assim dizer na crista da minha memória, torturando-me, arrebatando-me - até doer, até à insanidade da ternura, do ciúme e do amor, atormentado-me a alma a sua inescrutável solidão."

domingo, 6 de dezembro de 2009

"O Dom"

"Hoje, às vezes parece-me, quem sabe, que ele partia nas suas viagens não tanto em busca de algo, mas para fugir de qualquer coisa, e que, ao regressar, verificava que essa coisa ainda estava com ele, dentro dele, implacável, inextinguível. Não sou capaz de encontrar um nome para esse segredo, sei apenas que essa era a origem dessa solidão particular - nem alegre nem taciturna, sem nenhuma relação, de facto, com a aparência externa das emoções humanas - a que nem a minha mãe nem todos os entomologistas do mundo tinham acesso."

"O Dom"

"Não podia suportar delongas, hesitações, o pestanejar de olhos de uma mentira, não podia suportar a hipocrisia ou as falas meladas, e tenho a certeza de que se me tivesse apanhado numa situação de cobardia física me teria amaldiçoado."

"O Dom"

"Oh, minha infância, não olhes para mim assim, com esses grandes olhos assustados."

sábado, 5 de dezembro de 2009

"O Dom"

"(...) como um inofensivo fantasma doméstico que se senta, já sem surpreender ninguém, todas as noites à lareira."

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

"Fables"

"Things are not always what they seem; the first appearance deceives many; the intelligence of a few perceives what has been carefully hidden."