"E penso também no facto de então às vezes me parecer que eu era infeliz, mas agora sei que fui sempre feliz, que aquela infelicidade era uma das cores da felicidade."
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
sábado, 28 de novembro de 2009
"On Being Empty Of Oneself"
"The void in fact was caused by my presence when I did not understand her, because that meant that I saw only the external shape of her body, so to speak, but not what really mattered—herself. We were strangers: I became alien to her. (...) It gradually transpired that she felt in a void and/or empty of herself in the presence of people who were, so to speak, in another world but did not recognize this fact, or failed to recognize that she was in another world."
"O Dom"
"A noite húmida fazia brilhar de negro a rua, com um vento furioso: nunca, mas nunca chegaremos a casa. Não obstante chegou um eléctrico, e agarrado a uma correia no corredor por cima da mãe sentada à janela, Fedor pensava com irritação nos versos que escrevera nesse dia, nas fissuras das palavras, nas fugas da poesia, e ao mesmo tempo, com uma alegria orgulhosa e exaltada, com uma impaciência apaixonada, esperava já pela criação de qualquer coisa nova, qualquer coisa ainda desconhecida, genuína, que correspondesse plenamente ao dom que sentia como um peso dentro de si."
domingo, 8 de novembro de 2009
Impressão Dum Sonho
A luz era confortável, não havia claridade nem penumbra. A cor da decoração irradiava por todo o lado. Eram umas três camas altas (uma com cortinados amarrados) de madeira. Enchiam todo o espaço. Havia livros em cima da cama decorada com cortinados, imensos livros. De todo o cenário emanava um conforto inexplicável.
Olhaste para mim enquanto fumavas um cachimbo muito ovalado, de madeira trabalhada com uns quaisquer motivos floridos. Estavas deitado numa das camas, de lado. Eu movi-me para perto de ti. Creio que estava em collants e vestia uma blusa fina e macia. Referiste a sorrir que estava muito magra, e agarraste-me para sentir os ossos da bacia. Agarraste com precisão, como se pudesses fazê-lo por eu ser tua. Como há muitos anos atrás, quando eu o era... O toque foi exactamente igual, no sonho, a como costumava ser na realidade. Nunca mais ninguém me despertou essa sensação característica do milissegundo após ser tocada por ti. Mas também não conseguiria saber adjectivá-la ou a razão pela qual era assim.
Depois dirigi-me a um baú pequeno muito trabalhado, creio que tinha uns dourados, e lembro-me de reparar na fechadura... Entretanto, já estava com três chaves em frente ao baú, não sabia qual lhe servia. Tentei a primeira e não abriu. Acordei e senti qualquer coisa que se parece com saudades, mas não o é.
Olhaste para mim enquanto fumavas um cachimbo muito ovalado, de madeira trabalhada com uns quaisquer motivos floridos. Estavas deitado numa das camas, de lado. Eu movi-me para perto de ti. Creio que estava em collants e vestia uma blusa fina e macia. Referiste a sorrir que estava muito magra, e agarraste-me para sentir os ossos da bacia. Agarraste com precisão, como se pudesses fazê-lo por eu ser tua. Como há muitos anos atrás, quando eu o era... O toque foi exactamente igual, no sonho, a como costumava ser na realidade. Nunca mais ninguém me despertou essa sensação característica do milissegundo após ser tocada por ti. Mas também não conseguiria saber adjectivá-la ou a razão pela qual era assim.
Depois dirigi-me a um baú pequeno muito trabalhado, creio que tinha uns dourados, e lembro-me de reparar na fechadura... Entretanto, já estava com três chaves em frente ao baú, não sabia qual lhe servia. Tentei a primeira e não abriu. Acordei e senti qualquer coisa que se parece com saudades, mas não o é.
sábado, 7 de novembro de 2009
"O Dom"
"Filho dum respeitável idiota dum professor e da filha dum funcionário público, crescera num meio maravilhosamente burguês, entre um aparador semelhante a uma catedral e lombadas de livros dormentes. Era de boa índole, embora não fosse bom; sociável, mas um pouco inconstante, impulsivo, e ao mesmo tempo calculista. Apaixonou-se por Olya duma maneira decisiva após uma excursão de bicicleta com ela e Yacha pela Floresta Negra, um passeio que, como mais tarde testemunhou no inquérito, «foi revelador para nós os três»; apaixonou-se por ela ao nível mais baixo, de maneira primitiva e com impaciência, mas da parte dela recebeu uma recusa sem apelo, uma recusa que era tanto mais viva quanto Olya, rapariga indolente, com tendência para se agarrar às pessoas e duma extravagância sombria, se tinha pelo seu lado (nos mesmos bosques de pinheiros, junto ao mesmo lago circular e negro) «dado conta de que estava caída» por Yacha, que se sentia tão oprimido por isso como Rudolf pelo ardor de Yacha, e ela própria pelo ardor de Rudolf, de modo que a relação geométrica dos seus sentimentos inscritos estava completa, lembrando as ligações recíprocas tradicionais algo misteriosas das dramatis personae dos dramaturgos franceses do século XVIII em que X é a amante de Y e Y é o amant de Z."
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
"O Dom"
"Vocês conhecem aquele movimento característico de quando alguém lhes estende uma fotografia venerada e os observa com a suposição certa de que... e vocês, depois de olharem demorada e piedosamente para o rosto da fotografia, que sorri inocentemente e sem qualquer pensamento de morte, fingem demorar-se a devolvê-la, fingem atrasar a sua própria mão, ao mesmo tempo que, com um olhar que se arrasta, devolvem o retrato, como se tivesse sido má educação separar-se dele mais cedo. (...) Tudo era calmo e falso."
"O Dom"
"No entanto continuava ali sentado, a fumar e a balançar suavemente a ponta do pé e, enquanto os outros continuavam a falar e ele próprio se lhes juntava, tentava, como fazia sempre e em todo lado, imaginar o movimento interior, transparente, desta ou daquela pessoa. Instalava-se cuidadosamente dentro do interlocutor como numa poltrona, de modo que os cotovelos dos outros serviam de descanso para os seus, e a sua alma encaixava-se sem atrito na alma do outro, e então a iluminação do mundo mudava subitamente e durante um minuto ele era realmente Aleksandr Tchernychevskii, ou Lyubov Markovna, ou Vassiliev. Às vezes, uma excitação, como na prática de um desporto, vinha acrescentar-se à efervescência gasosa da transformação, e sentia-se lisonjeado quando uma palavra ao acaso vinha confirmar sagazmente a linha de pensamento que adivinhava no outro."
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