terça-feira, 23 de novembro de 2010

"As Cidades Invisíveis"

"O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir; se houver um, é o que já está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos. Há dois modos para não o sofrermos. O primeiro torna-se fácil para muita gente: aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos. O segundo é arriscado e exige uma atenção e uma aprendizagem contínuas: tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, quem e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar."

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

"O Estrangeiro"

"Como se esta grande cólera me tivesse limpo do mal, esvaziado da esperança, diante desta noite carregada de sinais e de estrelas, eu abria-me, pela primeira vez, à terna indiferença do Mundo."

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ser «Lá»

Aqui, onde me sento/sinto e estou, vou para lá do que existe. Penso o que não existe e existo assim. «Lá» é uma expressão do sítio de onde vim, em que habitei outrora. «Lá» chama-se, na verdade, princípio (alpha) e fim (beta). Possui a essência de lugar: quente, protegido, amistoso; como estar dentro de uma lareira sem o queimar do fogo. Consigo transitar de «aqui» para «lá» sempre que preciso e tenho vontade. Então, posso ficar serena e enraizada na sensação de não ser/ter nada, fluir ao ritmo do ar e confundir-me com a água da Terra toda. Ao mesmo tempo, eu sou só sentir: vejo os sons, toco nas cores, cheiro a sensação de ter as mãos vazias, ouço os olhares nas ruas desconstruídas, e saboreio todos os cinco sentidos como se fossem um só - a ideia de uno e indivisível... Sou toda a inexistência, mas fundo-me nos outros, que existem, e eles estão em mim, sempre... Por isso, não os tolero e volto a ser mar sem fim, ar leve, sem respirar quase; elevo-me até ao fim. E já me tenho só como sonho, preso no sono. Não quero acordar, não posso acordar... A Realidade do mundo e das coisas faz-me feia e tira-me o sentido. Obriga-me a Ser, esse pesadelo!

domingo, 14 de novembro de 2010

"As Cidades Invisíveis"

"Pensei: «Chega-se a um momento na vida em que da gente que se conheceu são mais os mortos que os vivos. E a mente recusa-se a aceitar outras fisionomias, outras expressões: em todos os rostos novos que encontra, grava as velhas feições, para cada uma arranja a máscara que melhor se lhe adapta»."

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

"As Cidades Invisíveis"

"Entrando no território de Eutrópia por capital, o viajante vê não uma cidade mas muitas, de igual grandeza e não diferentes umas das outras, espalhadas por um vasto e ondulado planalto. Eutrópia é não uma mas sim todas estas cidades juntas; uma só é habitada, as outras estão vazias; e isto faz-se por rotação. Vou contar como. No dia em que os habitantes de Eutrópia se sentem atacados pelo cansaço, e já ninguém suporta o seu ofício, os parentes, a casa e a rua, as dívidas, a gente que deve cumprimentar ou que o cumprimenta, então todos os cidadãos decidem transferir-se para a cidade vizinha que está ali à espera, vazia e como nova, onde cada um tomará outro ofício, outra mulher, verá outra paisagem ao abrir a janela, passará as noites com outros passatempos amizades maledicências. Assim a sua vida renova-se de mudança, entre cidades que devido à exposição ou ao declive ou aos cursos de água ou aos ventos se apresenta cada uma com qualquer diferença das outras. Sendo a sua sociedade ordenada sem grandes diferenças de riqueza ou de autoridade, as passagens de uma função para outra dão-se quase sem abalos; a variedade é assegurada pelas múltiplas incumbências, de tal modo que no espaço de uma vida raramente se regressa a um ofício que já tenha sido o seu.
Assim a cidade repete a sua vida sempre igual deslocando-se para baixo e para cima sobre o seu tabuleiro de xadrez vazio. Os habitantes voltam a representar as mesmas cenas com actores mudados; tornam a dizer as mesmas frases com entoações diversamente combinadas: abrem bocas alternadas em iguais bocejos. Sozinha entre todas as cidades do império, Eutrópia permanece idêntica a si própria. Mercúrio, deus dos volúveis, ao qual é consagrada a cidade, fez este ambíguo milagre."

sábado, 6 de novembro de 2010

"As Cidades Invisíveis"

"Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos."

"As Cidades Invisíveis"

"A cidade é redundante: repete-se para que haja qualquer coisa que se fixe na mente.
(...) A memória é redundante: repete os sinais para que a cidade comece a existir."

"As Cidades Invisíveis"

"(...) foi inutilmente que parti em viagem para visitar a cidade: obrigada a permanecer imóvel e igual a si própria para melhor ser recordada, Zora estagnou, desfez-se e desapareceu. A Terra esqueceu-a."

"As Cidades Invisíveis"

"(...) a cidade não conta o seu passado, contém-no como as linhas da mão, escrito nas esquinas das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos postes das bandeiras, cada segmento marcado por sua vez de arranhões, riscos, cortes e entalhes."

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

"O Falar Das Letras"

"O equilíbrio e o bom funcionamento mental, tal como as várias perturbações psíquicas da criança e do adulto, dependem muito da forma como se aprendeu a falar e a calar. Da forma como se aprendeu a funcionar mentalmente.

O silêncio aparente das palavras pode ser rompido pelos sintomas, mas os próprios sintomas podem silenciar-se pela repressão medicamentosa ou educativa, ou pela angústia que persiste ou se acentua. Neste caso, a própria inteligência poderá ser bloqueada no seu desenvolvimento.
A repressão dos sintomas e a repressão da fantasia podem matar a inteligência. A criança pode calar-se definitivamente ou aprender a falar como os papagaios amestrados; sem pensar próprio. Silêncio pode ser vida, silêncio pode ser morte."