quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Episódios de Intro(a)versão: Um Estranho Mete Conversa Comigo

Estou num café. Acabo de beber o meu chá. Vou até ao balcão pagar a conta. O gajo do café recebe o dinheiro, olha para o livro que tenho comigo (“Vagabundos do Dharma” de Jack Kerouac) e pergunta se pode ver. Digo que sim, um pouco atrapalhada, e acrescento que não é grande coisa:

(É preciso notar que ao longo de todo este árduo diálogo, árduo para mim, eu estava super constrangida).

-Chamou-me a atenção porque tem “dharma” no título. Mas dharma tem a ver com uma filosofia de vida e o budismo, é um contrassenso "vagabundos do dharma”...

Reviro os olhos mentalmente (por que raio sou assim?!), mas o rapaz até parece ser porreiro, por isso explico qualquer coisa acerca da altura em que foi escrito, etc., etc. E ele:

-Pois, agora comecei a ler umas coisas, mas não são romances...

-Bom, isto não é bem um romance (pelo menos no sentido que me pareceu que ele estava a dar à palavra). Não conheces o autor?

-Não. Ando a ler cenas de Filosofia. Descobri o Comte.

-Sartre e Foucault são muito bons...

Ele acena com a cabeça e atira:

-Acabei agora de ler “O Anticristo”.

(Não consigo evitar de pensar que li isso aos 15 anos... Reviro outra vez os olhos mentalmente... Por que raio sou assim?!)

-O Nietzsche é o maior! - respondo-lhe a sorrir.

Lentamente, pego no livro que estava em cima do balcão e começo a mover-me no sentido de me pirar dali para fora da forma mais natural possível. É MUITO DOLOROSO PARA MIM FALAR COM ESTRANHOS (eu vou àquele café quase todos os dias, mas ainda assim para mim, o gajo é um estranho!).

Ele, em plena sincronia, move-se também e sai do balcão cá para fora. Diz mais qualquer coisa, eu começo a ficar desesperada, mas sorrio com toda a naturalidade possível. Até que ele começa a sentir-se mal e diz:

-Oh desculpa, estou a aborrecer-te!

(Eu penso para mim: até pareces ser fixe e eu gosto de falar sobre estas coisas...) Mas o que me sai da boca é o seguinte (não sei por que razão):

-Não faz mal - digo-o a sorrir.

(...devo ter ficado a parecer um pouco psicopata...)

(E não era mesmo isto que eu queria dizer...)

Por esta altura, o meu sorriso já deve começar a parecer-se com o do Joker. Tendo noção disso, fico ainda mais nervosa. Entro em pânico e atiro um:

-Bom fim de semana! (Uma vez que era sábado).

Continuo a sorrir estupidamente enquanto saio porta fora. Parece que os músculos da face congelaram.

Vou o mais rápido que posso para não dar nenhuma hipótese de o diálogo prosseguir (na minha cabeça parecia mesmo que estava em fuga). Entro no carro e ponho-me a andar. Passei a viagem toda a rir à gargalhada e só me vinha à cabeça a palavra: awkward awkward awkward awkward ...

É assim a vida da malta introvertida! Sempre dá para rir (sozinha).



24-08-2020

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