segunda-feira, 22 de novembro de 2021

(des)fragmentações

-O que é o tédio?
-Um espaço intermédio? Transitivo?
-Entre o quê?
-A serenidade e o nada.
-Como pode haver uma transição para o nada, se o vazio é pré-existente a Tudo?
-Bem visto! Então e se o tédio for um espaço transitivo entre a serenidade e a aceitação da vivência do nada? Já que aceitar intelectualmente é diferente de experienciar!
-Como é que se experiencia?
-É só estar e pronto! Então tu experiencias o tédio há décadas e nunca chegaste lá?
-Lá? Onde?
-Ao “O”, o zero da experiência, nirvana, apocalipse inexistencial? Sei lá o nome...
-Ah, o tédio é o estado oposto ao desejo. Já sei! Depois do tédio não pode existir satisfação ou desilusão. Se conseguires tolerar o tédio, aceitá-lo com naturalidade, fluis para o estado original/inicial/zero da experiência/nirvana. E ficas o quanto te for possível.
-Neste ponto devo admitir uma certa dose de frustração...
-Então?
-Passei anos a lutar contra o tédio e a procurar sentir prazer. Afinal era simples, era só deixar-me estar e pronto!
-Parece que sim... Luta, prazer, desprazer, frustração. Flui, que isso passa.

24-08-2020

domingo, 20 de junho de 2021

“O Amor é o Murmúrio da Terra"

“O amor é o murmúrio da terra
 
quando as estrelas se apagam
e os ventos da aurora vagam
no nascimento do dia...
 
O ridente abandono,
a rútila alegria
dos lábios, da fonte
e da onda que arremete
do mar...

O amor é a memória
que o tempo não mata,
a canção bem-amada
feliz e absurda...

E a música inaudível...

O silêncio que treme
e parece ocupar
o coração que freme
quando a melodia
do canto de um pássaro
parece ficar...

O amor é Deus em plenitude
a infinita medida
das dádivas que vêm
com o sol e com a chuva
seja na montanha
seja na planura
a chuva que corre
e o tesouro armazenado
no fim do arco-íris.”

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Episódios de Intro(a)versão: Um Estranho Mete Conversa Comigo

Estou num café. Acabo de beber o meu chá. Vou até ao balcão pagar a conta. O gajo do café recebe o dinheiro, olha para o livro que tenho comigo (“Vagabundos do Dharma” de Jack Kerouac) e pergunta se pode ver. Digo que sim, um pouco atrapalhada, e acrescento que não é grande coisa:

(É preciso notar que ao longo de todo este árduo diálogo, árduo para mim, eu estava super constrangida).

-Chamou-me a atenção porque tem “dharma” no título. Mas dharma tem a ver com uma filosofia de vida e o budismo, é um contrassenso "vagabundos do dharma”...

Reviro os olhos mentalmente (por que raio sou assim?!), mas o rapaz até parece ser porreiro, por isso explico qualquer coisa acerca da altura em que foi escrito, etc., etc. E ele:

-Pois, agora comecei a ler umas coisas, mas não são romances...

-Bom, isto não é bem um romance (pelo menos no sentido que me pareceu que ele estava a dar à palavra). Não conheces o autor?

-Não. Ando a ler cenas de Filosofia. Descobri o Comte.

-Sartre e Foucault são muito bons...

Ele acena com a cabeça e atira:

-Acabei agora de ler “O Anticristo”.

(Não consigo evitar de pensar que li isso aos 15 anos... Reviro outra vez os olhos mentalmente... Por que raio sou assim?!)

-O Nietzsche é o maior! - respondo-lhe a sorrir.

Lentamente, pego no livro que estava em cima do balcão e começo a mover-me no sentido de me pirar dali para fora da forma mais natural possível. É MUITO DOLOROSO PARA MIM FALAR COM ESTRANHOS (eu vou àquele café quase todos os dias, mas ainda assim para mim, o gajo é um estranho!).

Ele, em plena sincronia, move-se também e sai do balcão cá para fora. Diz mais qualquer coisa, eu começo a ficar desesperada, mas sorrio com toda a naturalidade possível. Até que ele começa a sentir-se mal e diz:

-Oh desculpa, estou a aborrecer-te!

(Eu penso para mim: até pareces ser fixe e eu gosto de falar sobre estas coisas...) Mas o que me sai da boca é o seguinte (não sei por que razão):

-Não faz mal - digo-o a sorrir.

(...devo ter ficado a parecer um pouco psicopata...)

(E não era mesmo isto que eu queria dizer...)

Por esta altura, o meu sorriso já deve começar a parecer-se com o do Joker. Tendo noção disso, fico ainda mais nervosa. Entro em pânico e atiro um:

-Bom fim de semana! (Uma vez que era sábado).

Continuo a sorrir estupidamente enquanto saio porta fora. Parece que os músculos da face congelaram.

Vou o mais rápido que posso para não dar nenhuma hipótese de o diálogo prosseguir (na minha cabeça parecia mesmo que estava em fuga). Entro no carro e ponho-me a andar. Passei a viagem toda a rir à gargalhada e só me vinha à cabeça a palavra: awkward awkward awkward awkward ...

É assim a vida da malta introvertida! Sempre dá para rir (sozinha).



24-08-2020