sábado, 31 de julho de 2010

"Ali-Babá"

"Era uma vez um jovem que não gostava de ser jovem, ou melhor, que lidava muito mal com o facto de ser jovem. Não sabia o que fazer com o corpo, nem com o sexo. O jovem tinha uma peculiaridade: não sabia falar. Quer dizer, sabia articular palavras, sons, mas a brutalidade de sentimentos, a violência dos afectos, ou mesmo o impulso ocasional à ternura e à suavidade não encontravam geralmente o gesto e a palavra. Queria ser amado, mas sobretudo queria ser reconhecido, embora desconhecesse quem e como devia reconhecê-lo.
O facto é que o jovem procurava no outro o que devia encontrar em si mesmo e esse pecado de ignorância foi sem dúvida um dos marcos da sua tragédia.
(...) o jovem que não queria ser jovem confundia (e às vezes era confundido) desejo de autonomia com arrogância, independência com provocação, liberdade com revolta.
(...) tudo o que o jovem fazia, sem se dar conta, era fazer falar por si uma criança maligna, ávida, destrutiva e imprevisível.
É claro que o jovem que não gostava de ser jovem às vezes dava-se conta de algo errado consigo próprio, e então queria morrer, embora não soubesse que coisa e quem queria matar. Por isso, às vezes também pensava em partir, embora não soubesse para onde ou para quê.
(...) O jovem partilhava com alguns humanos a confusão entre fantasia de renascimento e nascimento de si mesmo. Porque o jovem não tolerava a ideia de morrer e por isso vivia também fascinado com a ideia de morte."

"Ali-Babá"

"- (...) Suponho que foi um de vocês que afirmou serem as overdoses suicídios camuflados e o número de suicídios muito maior nos toxicómanos que na população em geral. Ora aonde está aí a negação da angústia de morte?
- Aí mesmo. A menos que você pense que alguém de facto se mata, ou melhor, que alguém sabe o que é a morte."

"Ali-Babá"

"(...) voltando ainda ao toxicómano, repare como ele resolve o problema. A ideia de morte é um património de futuro (sei que um dia morrerei) e o padrão habitual de consumo é uma presentificação do tempo. Por outro lado, toda a experiência que o drogado faz com o corpo, testemunha a negação do limite."

"Ali-Babá"

"A questão é quem aceita a ideia de que um dia vai morrer. A conjugação adolescente faz-se numa descoberta do corpo desejante que por isso mesmo se torna um corpo mortal."

"Ali-Babá"

"O vivido toxicomaníaco é isso mesmo, maníaco. Por outras palavras, frequentemente por detrás do consumo de drogas encontramos uma angústia de morte não elaborada."

"Ali-Babá"

"Não sei se leram um livro de um psiquiatra francês chamado «Somos todos psicossomáticos». De algum modo, a inespecificidade das características a jusante da iniciação aditiva far-me-ia dizer «Somos todos toxicodependentes».
Mas realmente não o somos. É claro que as grosserias preventivas meteram no mesmo saco álcool, tabaco, cannabis e heroína. Com esperança e paciência ainda seremos insultados por tomar café em público. Talvez nas fantasias dos especialistas de prevenção de psicoestimulantes a velha dama inglesa tenha de se esconder na latrina para tomar chá, enquanto as práticas sexuais dependem no plano do reconhecimento, vide da sua despsicopatologização, do número de técnicos de saúde mental que as pratiquem."

"Ali-Babá"

"Sacrifiquei a voz ao corpo, para que este fosse desejo. Porém a voz do desejo não fala mais em mim. Hoje sou apenas carência e falta. Aonde a tempestade dos meus sinais biológicos pedia ordenação à linguagem, símbolos, palavras, rebentou o vazio em mim, essa soberba, ávida e insaciável, aonde se esgotam todos os ritos de compreensão, todos os sinais de solidariedade.
Minto e não sou mentiroso, porque de verdade gostava de ser verdadeiro, mas não sei mais ser verdadeiro, já não sei alinhar as palavras senão para dizer da minha necessidade."

domingo, 25 de julho de 2010

"Livro Do Desassossego"

"Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso."

"Livro Do Desassossego"

"Sonhadores felizes são os pessimistas. Formam o mundo à sua imagem e assim sempre conseguem estar em casa. A mim o que me dói mais é a diferença entre o ruído e a alegria do mundo e a minha tristeza e o meu silêncio aborrecido."

"Livro Do Desassossego"

"Eu não sou pessimista. Não me queixo do horror da vida. Queixo-me do horror da minha. O único facto importante para mim é o facto de eu existir e de eu sofrer e de não poder sequer sonhar-me de todo para fora de me sentir sofrendo."

quarta-feira, 21 de julho de 2010

"Livro Do Desassossego"

"Eu não sou pessimista, sou triste."

"Livro Do Desassossego"

"Escuta-me ainda, e compadece-te. Ouve tudo isto e diz-me depois se o sonho não vale mais do que a vida. O trabalho nunca dá resultado. O esforço nunca chega a parte nenhuma. Só a abstenção é nobre e alta, porque ela é a que reconhece que a realização é sempre inferior e que a obra feita é sempre a sombra grotesca da obra sonhada."

sábado, 10 de julho de 2010

"O Jogador"

"É verdade que o homem gosta de ver o seu melhor amigo humilhado diante dele: é sobre a humilhação que assenta a maior parte das vezes a amizade; eis uma velha verdade, que todas as pessoas conhecem."

"O Jogador"

"Talvez que depois de ter passado por tão grande número de sensações, a alma não possa saciar-se mas só irritar-se e exija sensações novas, mais e mais violentas, até ao esgotamento total."