quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

"Máximas e Dardos"

"Para se viver solitariamente há que ser animal ou um deus, declara Aristóteles. Existe, ainda, um terceiro caso: há que ser ambas as coisas em simultâneo: um filósofo, portanto."

"As Formas Do Esquecimento"

"Reler é reviver sem antecipar, cultivar a impressão do já visto sem renunciar ao ver vir, como se, só se dissipando o esquecimento da intriga ao ritmo da releitura, esta nos restituísse ao mesmo tempo as doçuras do retorno e as delícias da espera."

"As Formas Do Esquecimento"

"Três «figuras» ou formas de esquecimento deixam perceber-se em certos ritos que por esta razão qualificarei de emblemáticos.
A primeira é a do retorno, cuja ambição primordial é recuperar um passado perdido esquecendo o presente - e o passado imediato com o qual tende a confundir-se - para restabelecer uma continuidade com o passado mais antigo, eliminar o passado «composto» em proveito de um passado «simples».
(...)
A segunda é a do suspenso, cuja ambição principal consiste em recuperar o presente cortando-o provisoriamente do passado e do futuro e, mais exactamente, esquecendo o futuro quando este se identifica com o regresso ao passado. (...)
A terceira é a do começo ou, melhor dizendo, do re-começo (estando determinado que este último termo designa absolutamente o contrário da repetição: uma inauguração radical, implicando desde logo o prefixo re que uma mesma vida pode conhecer vários começos). A sua ambição é reencontrar o futuro esquecendo o passado, criar as condições de um novo nascimento que, por definição, se abre a todos os futuros possíveis sem privilegiar nenhum deles."

"Noites Brancas"

"(...) há muito que tenho esta ideia. (...) Por que é que as pessoas, por melhores que sejam, parecem esconder sempre alguma coisa dos outros? Por que não se pode dizer no momento, frontalmente, o que nos vai no coração, quando temos a certeza de que não o diremos em vão? Cada qual assume o ar de ser mais severo do que realmente é, como se tivesse medo de ultrajar os seus sentimentos ao exprimi-los cedo de mais..."

"Noites Brancas"

"- Estou a pensar em si - disse depois de um minuto de silêncio. - Você é tão bom que era preciso eu ser de pedra para não o sentir... Sabe o que me está a passar pela cabeça agora? Comparei-os aos dois. Por que não é ele como você? Por que não é igual a si? Ele é pior, embora eu goste mais dele."

"Noites Brancas"

"- Gosto de si porque não se apaixonou por mim. Outro qualquer, no seu lugar, começaria a incomodar-me, a importar-se, a queixar-se, a sofrer, mas você é tão querido!"

"Noites Brancas"

"É que, quando estamos infelizes, sentimos mais a desgraça dos outros; o sentimento não se dispersa, concentra-se..."

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

"As Formas Do Esquecimento"

"(...) o recalcamento não incide sobre o acontecimento, sobre a recordação ou sobre o vestígio isolado enquanto tais, mas sobre as conexões entre recordações ou entre traços, «conexões que até mesmo as nossas redes ferroviárias, onde coexistem comboios de alta velocidade e linhas desafectadas, não nos fornecem senão uma pálida imagem». Mais do que recordar, conclui Pontalis, é preciso portanto associar, associar livremente como tentam os surrealistas, associar, quer dizer, «dissociar as ligações instituídas, bem instaladas, para fazer aparecer outras, que são muitas vezes ligações perigosas...»."

domingo, 24 de janeiro de 2010

"As Formas Do Esquecimento"

"Arrisco uma fórmula: diz-me o que esqueces, dir-te-ei quem és."

"As Formas Do Esquecimento"

"Recordar ou esquecer é fazer um trabalho de jardineiro, seleccionar, desbastar. As recordações são como as plantas: há algumas que é preciso eliminar rapidamente para ajudar as outras a desabrochar, a transformar-se, a florescer. Estas plantas que cumprem o seu destino, estas plantas desabrochadas, esqueceram-se de algum modo de si próprias para se transformar: entre as sementes e as estacas que as fizeram nascer e aquilo em que se transformaram não há nenhuma relação aparente; a flor, neste sentido, é o esquecimento da semente (recordemos o verso de Malherbe que continua esta história: «E os frutos ultrapassaram a promessa das flores.»)."

sábado, 23 de janeiro de 2010

"As Formas Do Esquecimento"

"O fascista não tem memória. Não aprende nada. Isto equivale também a dizer que não esquece nada, que vive no presente perpétuo das suas obsessões."

"As Formas Do Esquecimento"

"Fazer o elogio do esquecimento não é vilipendiar a memória, e ainda menos ignorar a recordação, mas reconhecer o trabalho do esquecimento na primeira e assinalar a sua presença na segunda. A memória e o esquecimento mantêm de algum modo a mesma relação que existe entre a vida e a morte."

"As Formas Do Esquecimento"

"A relativização de uma cultura por outra (a mudança de «quadro de referência») é, no fundo, um exercício anticulturalista que respeita acima de tudo, em cada cultura, o poder que ela tem de desestabilizar as outras."

"As Formas Do Esquecimento"

"A relação com o tempo pensa-se sempre no singular-plural. O que significa que são precisos pelos menos dois para esquecer, quer dizer, para gerar o tempo."

"O Dom"

"(...) Fedor lembrava-se de o seu pai dizer que em cada homem existe o sentimento inato de que a pena de morte tem qualquer coisa de insuperavelmente anormal, algo como a inquietante inversão dos gestos ao espelho que nos transforma todos em canhotos (...)."

"O Dom"

"Nos escritos doutro crítico radical, Zaitsev, era cómico encontrar, quarenta anos antes de Freud, a teoria de que «todos esses sentimentos estéticos e outras ilusões "que nos elevam" não passam de modificações do instinto sexual...» (...)."

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

"As Formas Do Esquecimento"

"É evidente que a nossa memória depressa ficaria «saturada» se tivéssemos de conservar todas as imagens da infância, particularmente as da nossa mais tenra infância. Interessante, porém, é o que fica. E o que fica - recordações ou vestígios -, o que fica é o produto de uma erosão pelo esquecimento. As recordações são moldadas pelo esquecimento como os contornos da costa o são pelo mar."

"As Formas Do Esquecimento"

"O esquecimento (...) é a força viva da memória e a recordação o seu produto."

domingo, 17 de janeiro de 2010

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

"O Dom"

"- És capaz de me dizer porque é que as mariposas voam para a luz? Não há ninguém que saiba.
- E tu sabes?
- Parece-me sempre que, se me concentrar com bastante força, preciso só dum minuto para adivinhar. O meu pai dizia que se assemelhava sobretudo a uma perda de equilíbrio, como quando se aprende a andar de bicicleta e somos atraídos por uma cova. Olha para ela a andar em círculos! Mas há qualquer coisa mais profunda aqui, daqui a um minuto já sei."

"O Dom"

"O génio é um africano que sonha a neve."