terça-feira, 30 de dezembro de 2014

"Cancro e Melancolia"

"As palavras, nos seus efeitos e equilíbrios, são veículos eternos de silêncios e melodias. São tão (des)integradoras que elas próprias podem bloquear ou construir. Quando a sua musicalidade falha, cicatrizam esses absurdos do cancro e da melancolia."

"Livro do Desassossego"

"Felizes dos que sofrem com unidade! Aqueles a quem a angústia altera mas não divide, que crêem, ainda que na descrença, e podem sentar-se ao sol sem pensamento reservado."

"Celephais"

"Quanto mais se afastava do mundo que o rodeava mais maravilhosos se tornavam os seus sonhos, e parecia-lhe fútil sequer tentar passá-los para o papel. Kuranes não era um espírito moderno, nem pensava como os demais escritores. Enquanto estes procuravam despir a vida das fantásticas vestes mitológicas, preferindo mostrar o sujo ignóbil e cru da realidade, Kuranes buscava apenas a beleza da vida. Quando a verdade e a experiência já não tinham força para revelá-la, ele procurava-a na fantasia e na ilusão, conseguindo encontrá-la na soleira da sua própria porta, entre as nebulosas memórias dos contos e sonhos de infância."

domingo, 9 de novembro de 2014

"O Último Dia de Um Condenado à Morte"

"Condenado à morte!
Há cinco semanas que vivo com este pensamento, sempre só com ele, sempre gelado pela sua presença, sempre curvado sob o seu peso!
Em outros tempos (...) eu era um homem como qualquer outro. Cada dia, cada minuto, tinha a sua ideia. O meu espírito jovem e rico estava cheio de fantasia. (...)
Hoje, estou preso. O meu corpo está preso numa masmorra, o meu espírito está preso por uma ideia. Uma terrível, uma sangrenta, um implacável ideal."

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

"O Ingénuo"

"O Ingénuo, segundo o seu costume, acordou ao raiar da aurora (...). Não era como a boa sociedade que se definha na cama, ociosa, até o Sol ter percorrido metade do seu curso, incapaz de dormir ou de se erguer, consumindo horas preciosas num estado que não é vida nem morte, e que ainda se lamenta de que a existência seja curta."

terça-feira, 16 de setembro de 2014

"A Fera na Selva"

"Quando as próprias possibilidades (...) se tornassem caducas, quando o segredo dos deuses se esbatesse ou talvez até se dissipasse inteiramente, isso, e apenas isso, seria um fracasso. Ficar falido, ser desonrado, humilhado, enforcado, nada disso teria sido um fracasso. O fracasso resumia-se a não ter sido nada."

sábado, 9 de agosto de 2014

"Histórias do Bom Deus"

"O meu amigo paralítico ergueu o olhar e deixou que as nuvens do crepúsculo o levassem pelo céu fora. E perguntou: «Estará Deus então ali?» Fiquei calado. Depois, inclinei-me para ele, dizendo: «Ewald, estaremos nós então aqui?» E apertámos calorosamente as mãos."

"Histórias do Bom Deus"

"Aquilo que os sentidos nos dizem ser Primavera é para Deus um pequeno e fugaz sorriso que percorre a Terra. Esta parece então lembrar-se de qualquer coisa que durante o Verão contará até se tornar mais sensata no grande silêncio do Outono durante o qual apenas faz confidências aos solitários."

domingo, 27 de julho de 2014

"Histórias do Bom Deus"

"É um feito ficar solitário no meio de um silêncio inacessível, e os mortos talvez sejam os tais que se ausentaram, para meditarem na Vida."

sábado, 5 de julho de 2014

"Histórias do Bom Deus"

"Tinha diante de Si os olhos dos Anjos que lhe serviam de espelho e neles media as suas próprias feições, e criou lenta e cuidadosamente, numa esfera que tinha no colo, o primeiro rosto."

"Histórias do Bom Deus"

"(...) apressei-me a contar: «Pois, como bem entenderá, enquanto foram apenas as coisas a serem criadas, Deus não precisava de estar continuamente a olhar cá para baixo para a Terra. Aliás nada poderia acontecer. É certo que o vento já soprava sobre as montanhas, que eram parecidas com as nuvens que ele já há muito conhecia, mas ainda evitava as copas das árvores com uma certa desconfiança. E isso agradava bastante a Deus. Ele fizera as coisas, por assim dizer, enquanto dormia. Mas já com os animais o trabalho começou a interessar-lhe; debruçava-se sobre ele e raramente erguia as espessas sobrancelhas para lançar um olhar à Terra. Dela se esqueceu em absoluto quando criou o homem. Não sei a que parte complicada do corpo Ele acabara de chegar quando à Sua volta se agitaram asas. Um Anjo passou rapidamente por Ele e cantou: 'Tu que tudo vês...'
Deus sobressaltou-se. Tinha feito o Anjo cair em pecado. pois este acabara de cantar uma mentira. Deus Pai olhou rapidamente para baixo."

domingo, 29 de junho de 2014

quarta-feira, 28 de maio de 2014

"O Pavilhão dos Cancerosos"

"Tinha uma farta cabeleira branca, o tipo de cabeleira que confere a um homem, seja génio ou idiota, santo ou patife, activo ou indolente, uma aura de calma nobreza. Tinha a aparência suave e impressionante que é a recompensa da natureza àqueles que nunca sofreram da dor atroz do pensar (...)."

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Enquanto Trabalhava

Dei comigo a pensar naquilo que estava a fazer (física e mecanicamente) naquele preciso instante, ia tombando com essa ideia do que fazia realmente. Recordei todos as inquietações, propósitos e sonhos de outrora, tudo quanto me tinha movido, aquilo que me tinha possibilitado uma continuação vivida entre o fim da adolescência e a idade adulta. Na verdade nunca me esqueci realmente, apenas procuro afundar dia a dia essas certezas todas de outrora, pois a realidade de hoje é, de facto, o maior teste à minha capacidade de aguentar o tédio, de sempre…

Por vezes, quando abro um livro intelectualmente muito estimulante, sinto uma certa revolta, por que esse simples abrir do livro deixou de ser parte integrante do meu viver diário, já não pode ser o principal. Agora o principal é produzir um determinado número num qualquer trabalho idiota de uma qualquer entidade desprovida de tesão. E este dia-a-dia é cancro, faz cancro, sinto-me a apodrecer por dentro da minha mente. A sociedade está a acabar com o meu intelecto, a minha libido, o meu amor pelas humanidades, artes e ciências. Pois agora apenas me cabe contar, seleccionar, informar, empilhar papéis, construir dossiers e nunca, mas nunca pensar, evitar ao máximo pensar, apenas executar e produzir números desconexos que nada explicitam da realidade. E mais uma vez, surge a mesma pergunta de sempre: o que é a realidade? O raio da realidade!

Na infância não podemos ser nós próprios devido às imposições e interditos expressos pelos nossos pais e avós. Durante a adolescência não podemos ser nós próprios devido aos limites impostos pela comunidade e sociedade como um todo. Por fim, chegamos esperançosos à idade adulta... Mas também não vamos poder ser nós próprios... 

domingo, 27 de abril de 2014

"O Pêndulo de Foucault"

"Miserável. Tinha por cima da cabeça o único lugar estável do cosmos, o único resgate à maldição (...). (...). Como se pode não cair de joelhos perante o altar da certeza?"

"O Pêndulo de Foucault"

"Foi então que vi o Pêndulo.
A esfera, móvel na extremidade de um longo fio fixado na abóbada do coro, descrevia as suas amplas oscilações com isócrona majestade."