domingo, 7 de abril de 2013

"Contos A Ninon"

"À medida que caminhavam, divisaram, sentado ao pé de um desses muros, um homenzinho de aspecto miserável. À sua chegada a pobre criatura levantou-se arrastando os pés, e a tremer de fome.
- Por caridade, meus bons senhores! - disse ele.
- Caridade! - exclamou Médéric - Meu caro, não sei onde ela pára. Ter-se-ia você perdido como nós? Muito favor nos faria se nos indicasse onde fica o Reino dos Felizes.
- Por caridade, meus bons senhores. - repetiu o mendigo - Há três dias que não como.
(...)
O pobre homem tornou a sentar-se ao pé do muro. Esfregava as mãos uma na outra, fechando os olhos de fraqueza.
- Que fome tenho! - disse em voz baixa.
(...)
- Essa agora, meu caro! então é cego? Estenda a mão. Mesmo em frente do nariz tem um pêssego magnífico que lhe servirá de comida e de bebida ao mesmo tempo.
- Esse pêssego não é meu - respondeu o pobre.
(...)
- (...) Este pêssego não te pertence e tu não ousas pegar-lhe, obedecendo às leis do teu país, conformando-te com essa ideia do respeito à propriedade que tu chupaste com o leite da tua mãe. São essas boas crenças que devem ser bem ensinadas entre os homens, se querem que o vacilante madeiramento da sua sociedade não desabe aos primeiros ataques do espírito de enxame. Eu, que não pertenço a esta sociedade, que recuso toda a fraternidade dos meus irmãos, posso infringir-lhes as leis, sem fazer o mais pequeno mal à sua legislação, nem às suas crenças morais. Toma, pois, este fruto e come-o, pobre miserável. Se me exponho ao castigo, é com alegria que o faço.
(...) Médéric colheu o pêssego e ofereceu-o ao mendigo. Este apoderou-se dele, observando-o avidamente. Depois, em vez de o levar à boca, atirou com ele para dentro do parque, por cima do muro. (...)
- Meu rapaz - disse a Sidónio - peço-te que repares neste homem. É o mais puro tipo da humanidade. Sofre e obedece; tem orgulho em sofrer e obedecer."